sábado, 18 de dezembro de 2010

Experiências espirituais não são estados patológicos da mente

Por Rita Foelker

As experiências espirituais sempre foram consideradas pela ciência materialista como estados puramente subjetivos sem relevância científica ou, em certos casos, como manifestações patológicas da mente.
O estudo dos estados modificados da consciência, já empreendido por alguns cientistas como Stanislav Grof, contudo, vêm mostrando que estas suposições não são tão sólidas quando pode parecer num primeiro momento. Sobre o assunto, dois livros deste médico e pesquisador são relevantes e foram publicados no Brasil: Psicologia do futuro e Quando o impossível acontece, ambos pela Publicações Lachâtre.
Para maior conhecimento do assunto, sugerimos enfaticamente o estudo do seguinte artigo do psicólogo Adair de Menezes Júnior e do psiquiatra e do professor adjunto da UFJF Alexander Moreira de Almeida, intitulado "O diagnóstico diferencial entre experiências espirituais e transtornos mentais de conteúdo religioso".


Espiritualidade e saúde mental


A revisão da literatura empreendida no texto aponta diferenças importantes entre as experiências espirituais e os transtornos mentais de conteúdo religioso, ocorrências que não se confundem graças ao grande número de critérios apontados em estudos de diversos autores. Entre eles destacam-se, no caso das experiências espirituais: a ausência de sofrimento psicológicos; a ausência de prejuízos sociais e ocupacionais; experiência de curta duração que ocorre de forma episódica; atitude científica perante a realidade da experiência; compatibilidade com um grupo cultural ou religioso; controle da experiência; ausência de comorbidades (correlação com outras doenças); crescimento pessoal provocado pela experiência, não implicando em egocentrismo ou isolacionismo.
É claro que este fato, por si só, não atesta a realidade da vivência espiritual em questão. Contudo, ele já permite estabelecer que:
  • pessoas normais e em pleno funcionamento são capazes de vivenciar experiências espirituais;
  • que estas experiências espirituais são positivas na medida em que contribuem para o crescimento pessoal e para a comunidade em que a pessoa está inserida;
  • que elas são passíveis de compartilhamento e compreensão intersubjetiva;
  • que não são fruto de fanatismo ou misticismo exacerbado, o que se nota pela atitude científica acerca da realidade da experiência.

Do Dr. Alexander Moreira de Almeida, veja também: "Diretrizes metodológicas para investigar estados alterados de consciência e experiências anômalas".
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Imagem: Grávida de uma anaconda, pintura de Pablo Amaringo
Fonte: http://deoxy.org/media/Jeremy_Narby/Intelligence_of_Nature

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Flexibilidade

Por Gilberto (Esp.) / Rita Foelker

A despeito do rigor com que se consideram certas regras para a prática mediúnica, a mediunidade não necessariamente se lhes submete.

Nos trabalhos mediúnicos, sempre será necessária uma certa flexibilidade, não quanto aos princípios espíritas que norteiam as ações, nem quanto à moral de médiuns e Espíritos, mas quanto aos procedimentos arbitrados como os melhores para circunstâncias específicas.

É importante que o médium possa sentir-se confortável em seu raio de ação, que não seja tolhido por pareceres que nada têm de doutrinários e que possa, se sentir tal impulso, levantar-se, gesticular, falar com mais veemência, aproximar-se de um dos presentes, desde que nenhuma destas atitudes denote descontrole sobre si mesmo e predomínio de um Espírito que vem somente tumultuar.

Se mediunidade é expressão de pensamentos, porque não expressá-los (se o médium tiver condições) de forma mais completa, associando-se, à palavra falada, as expressões faciais e gestuais que nos possibilitem compreender melhor o modo de ser da criatura que nos fala e que conta, para ser compreendido, unicamente com os recursos oferecidos pelo médium e a harmonia do ambiente construído pelo grupo?

Muitas vezes, além dos médiuns, os Espíritos se veem prisioneiros de normas rígidas impostas por dirigentes avessos à espontaneidade e ao novo. Revelam, estes irmãos encarnados, a impressão da própria incapacidade para administrar situações que fujam da rotina. Sob a justificativa do zelo pela prática espírita genuína, amarram e amordaçam criaturas que tantas vezes, só desejam expandir seu carinho e sua afetividade.

A comunicação mediúnica e a expressão do Espírito não são somente verbais, não podem ser reduzidas a palavras ditas ou escritas. Somos seres integrais, exteriorizando aquilo que somos em nossos fluidos, emoções, pensamentos, sentimentos e atos.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Como fazer ciência espírita?*

Por Rita Foelker

O Espírito em evolução é a consciência aprendente. O aprendizado promove progresso intelectual que precede o moral.
Os seres mais evoluídos intelectual e moralmente fazem uma ciência mais aperfeiçoada que os mais atrasados, porque refinaram seus instrumentos perceptivos e cognitivos, o que lhes permitiu uma compreensão mais completa e aprofundada dos mecanismos da Natureza e da natureza dos seres. Eles efetivam sua própria ciência, a ciência dos Espíritos, denominação que Paulo Henrique de Figueiredo adotou, sobre a qual conversamos, e que eu também utilizarei.
Quando estes seres mais adiantados trazem seu conhecimento aos humanos encarnados na Terra, eles não estão fazendo ciência por nós, mas sim fornecendo conceitos que podemos utilizar na elaboração da ciência espírita (a ciência dos encarnados que trata das relações entre os mundos visível e invisível), obedecendo ao mesmo princípio da solidariedade que mencionamos no post O papel da solidariedade na ciência, ou “nós” é o plural de nó.
Assim, verificamos dois tipos de solidariedade: a solidariedade horizontal, surgida da colaboração entre seres de uma mesma categoria evolutiva no intuito de aprender e formular as bases da ciência espírita; e a solidariedade vertical, originária de planos superiores visando alavancar o progresso dos seres mais atrasados porém sinceros na sua busca pelo saber e a melhoria individual e social.
O que os Espíritos nos possibilitam, com sua revelação de princípios e leis, são as condições necessárias para que realizemos aquilo que Thomas Kuhn, em sua tese sobre o progresso científico, chama de mudança de gestalt, (i. e., mudanças na visão global do mundo), mudanças que segundo ele nascem da combinação de vários fatores que extrapolam a esfera meramente cognitiva, incluindo crenças e valores.
Ou seja, os vislumbres da ciência dos Espíritos nos permitem enxergar os caminhos da ciência espírita. Os Espíritos nos oferecem uma nova forma de "ver o mundo", ao nos oferecer um ponto de vista e oportunidade de diálogo com eles. Este diálogo progressivo conosco depende do que já caminhamos intelectualmente, pois eles nos ajudam conforme evoluímos na nossa compreensão.
Uma objeção pertinente seria a de que a ciência espírita não passe de mais uma proposta de paradigma concorrente com outras, tidas como equivalentes. Um olhar puramente terreno poderia crer na correção deste pensamento. Contudo, aplicando as mesmas premissas (1-4, que expusemos no post Validade dos relatos mediúnicos) ao problema presente, perceberemos que onde Kuhn não via um caminho para uma verdade única, vemos a tendência evolutiva dos Espíritos que os dirige ao bem e à verdade das leis universais. Vemos nos ensinos dos Espíritos adiantados princípios de uma ciência mais completa e perfeita que aquela que praticamos, uma meta para onde direcionar nossos esforços.
A ciência espírita não compete com outras ciências por ter um objeto de pesquisa novo: as relações com o mundo espiritual. Seu escopo é observar fenômenos, reconhecer médiuns, aperfeiçoar a comunicação interplanos, dialogar e observar a que ordem pertencem os Espíritos comunicantes e comparar os conceitos dos Espíritos superiores com o conhecimento terreno atual.
Além disso, quando abrimos diálogo com os Espíritos, abrimos uma base de conhecimento única que esclarece fatos que Kuhn não pôde abranger. Um conhecimento que transforma as outras ciências naturais, a economia, sociologia, psicologia etc. Então, não há concorrência, há autossuperação de cada ramo científico pela integração dos conhecimentos expressos na ciência espírita.
Onde Kuhn viu a competição entre teorias e paradigmas, numa perspectiva espírita, vemos exercícios de Espíritos pouco adiantados que disputam prestígio e poder pessoal mediante o conhecimento que adquirem ou produzem. Esta é, contudo, uma situação passageira, resultado de sua forma restrita de entender a vida.

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* Este texto foi postado originalmente no blog "Entre a Serpente e a Estrela", em 17/05/2009.

sábado, 30 de outubro de 2010

A ciência de "O Céu e o Inferno"

O Livro dos Médiuns (1861) costuma ser considerado o livro que trata da ciência espírita. Ele sem dúvida trata da comunicação com os Espíritos, o que é uma parte da ciência espírita. Traz considerações sobre o método, sobre os "instrumentos da pesquisa" - os médiuns; sobre as condições de seu "laboratório" - que são as reuniões mediúnicas, enfim, ele é um manual de orientação para o pesquisador interessado em fazer investigações em torno dos fenômenos mediúnicos.
Mas a ciência espírita não se limita aos seus métodos, instrumentos e laboratório. Ela também apresenta resultados.
E O Céu e o Inferno (1865) é um compêndio destes resultados da pesquisa mediúnica, e de análises de resultados, à luz dos princípios da ciência espírita hauridos da experiência e concordes com seu arcabouço filosófico.
É cabível, portanto, estudá-lo como um livro de ciência.

sábado, 23 de outubro de 2010

Experiências

Por Gilberto (Esp.) / Rita Foelker

Experimentar é o caminho da evolução do pensamento.

As hipóteses nascem da dúvida e da criatividade, mas só a experiência nos indica a mais correta e faz com que as ideias se transformem. Só a experiência confere certezas.

As pessoas inteligentes são abertas à experimentação, porque enxergam ali a possibilidade de avançar em entendimento.

Muito embora possamos preferir a segurança dos caminhos já trilhados e dos procedimentos consagrados, não há progresso sem experimentação.

No campo dos potenciais mediúnicos, não é diferente. Ninguém sabe o que é ou como funciona a própria mediunidade, se não se predispõe a experimentar de mente aberta e desprevenida, sem expectativas e deixando de lado os naturais bloqueios.

Tudo o que é novo pode parecer assustador. Na verdade, gostaríamos de apresentar nossos dons quando eles já estivessem plenamente maduros, quando já soubéssemos de antemão de que se trata, com funciona, o que vai acontecer... Tal insegurança reflete nosso receio de que apareçam aspectos de nossa personalidade que gostaríamos de ocultar.

Porém nenhuma criatura encarnada na Terra é um ser acabado, nem no que tange à mediunidade, nem no que se refere à cultura, sentimentos, ética, autoconhecimento. E experimentar é o único meio seguro de ganharmos intimidade com nossa faculdade mediúnica adquirindo, também, conhecimento e segurança quanto às suas possibilidades.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Dialogando com os Espíritos


Por Gilberto (Esp.) / Rita Foelker

Os Espíritos que colaboram entre si nas fieiras da evolução formam incomensuráveis famílias espirituais. Laços imemoriais nos unem uns aos outros, estando os mais adiantados empenhados em mostrar os caminhos que já trilharam; as orientações, que são frutos das experiências vividas, servindo de farol aos caminhantes que vêm mais atrás.

Todas as almas podem ter algo a ensinar, tesouros de valor de sua inteligência naquilo em que já está desenvolvida, que podem ser a chave e a resposta por que anseiam almas aflitas que tresandam em confusão.

Os trabalhos mediúnicos são pontos de interseção destas correntes, onde Espíritos orientadores vêm trazer conhecimentos e onde podemos nos constituir em instrutores de criaturas ainda menos esclarecidas que nós, ofertando-lhes das nossas próprias conquistas íntimas.

No fundo, todos precisam e, por isso, buscam a luz do entendimento espiritual. Nossas dificuldades e conflitos surgem sempre na fronteira de nossa ignorância dos mecanismos das leis, e progredir nesse conhecimento é trilhar os caminhos da paz íntima.

Quando conversarmos com uma criatura infeliz do plano espiritual, lembremo-nos dos Espíritos que pacientemente são nossos instrutores, até mesmo nesta hora de exercício. Lembremos também do valor das palavras que eles nos trazem, para que não desperdicemos o momento que se apresenta, de auxiliar um Ser divino e um nosso irmão.

Da mesma maneira que sorvemos consolo e sabedoria das orientações recebidas, que nossas palavras representem, na simplicidade das ponderações, a água que dessedenta e o alimento que fortalece.

Que a singeleza destas ocasiões não nos permita banalizá-las. Não havemos de menosprezar a criatura que se apresenta, em razão de suas ideias e seus trejeitos, porque esta criatura poderia ter sido qualquer um de nós, em tempo não muito remoto.

Que os elos afetivos que nos unem aos Espíritos que abnegadamente nos ensinam se estendam àqueles que podem aprender de nós.

domingo, 22 de agosto de 2010

Ciência e religião


"Ciência sem religião é aleijada, religião sem ciência é cega."

Por Albert Einstein
Tradução de Rita Foelker*

[...]
A principal fonte dos conflitos entre as esferas da ciência e da religião, nos dias atuais, repousa sobre o conceito de um Deus pessoal. O escopo da ciência é estabelecer regras gerais que determinem a conexão recíproca de objetos e eventos no tempo e espaço. Para essas regras, ou leis da natureza, a validade absolutamente geral é requerida – não provada. Trata-se, sobretudo, de um programa, e a fé na possibilidade de seu cumprimento está fundada, por princípio, unicamente sobre sucessos parciais. Mas dificilmente encontraríamos quem negasse esses sucessos parciais e os atribuísse à ilusão humana. O fato de que, com base nessas leis, somos capazes de predizer o comportamento temporal de um fenômeno em certos domínios com grande precisão e certeza, é profundamente enraizado na consciência do homem moderno, muito embora ele possa ter apreendido muito pouco do conteúdo dessas leis. Ele precisa apenas considerar que as trajetórias planetárias no sistema solar podem ser calculadas antecipadamente com grande exatidão, com base em um número limitado de leis simples. Da mesma maneira, embora não com a mesma precisão, é possível calcular o modo de operação de um motor elétrico antecipadamente, de um sistema de transmissão, ou um aparelho sem fio, mesmo quando lidamos com um desenvolvimento recente.
É verdade que, quando o número de fatores que atuam num complexo fenomenológico é muito grande, o método científico em muitos casos falha. Pode-se pensar nas condições do clima, para as quais a predição, mesmo para alguns dias à frente, é impossível. Não obstante, ninguém duvida de que estamos perante uma conexão causal cujos componentes causais são essencialmente conhecidos por nós. Ocorrências nesse domínio estão além do alcance da predição exata por causa da variedade de fatores operando, não por qualquer falta de ordem na natureza.
Penetramos menos profundamente nas regularidades obtidas no domínio das coisas vivas, mas fundo o suficiente para perceber a regra necessária. Precisamos apenas pensar na ordem sistemática da hereditariedade, e do efeito de venenos, como, por exemplo, o álcool, no comportamento dos seres vivos. O que ainda falta aqui é uma compreensão de conexões de generalidade profunda, mas não um conhecimento da ordem enquanto tal.
Quanto mais um homem está imbuído da regularidade ordenada de todos eventos, mais firme se torna a sua convicção de que não há, ao lado dessa regularidade ordenada, lugar para causas de uma natureza diferente. Para ele, nem a regra da vontade humana, nem a regra da vontade divina existirão como causa independente de eventos naturais.
É verdade que a doutrina de um Deus pessoal interferindo nos eventos naturais nunca pôde ser refutada, no sentido real, pela ciência, pois essa doutrina pode sempre encontrar refúgio naqueles domínios nos quais o conhecimento científico ainda não foi capaz de fincar seus pés.
Mas estou convencido de que tal comportamento da parte dos representantes da religião não apenas seria indigno, mas também fatal. Pois uma doutrina que é incapaz de se sustentar à luz do dia, está destinada a perder sua influência sobre a Humanidade, com perda incalculável para o progresso humano. Em seu empenho a favor do bem ético, professores de religião precisam ter desenvolvimento intelectual para desistir da doutrina de um Deus pessoal, ou seja, desistir da fonte do medo e da esperança que no passado colocou tão grande poder nas mãos dos sacerdotes. Em suas tarefas, eles terão de valer-se das forças que são capazes de cultivar o Bem, a Verdade e a Beleza na própria Humanidade. Esta é certamente uma tarefa difícil, mas incomparavelmente muito mais valiosa. Depois que os professores de religião concluírem o refinado processo indicado, eles certamente reconhecerão com alegria que a religião foi enobrecida e aprofundada pelo conhecimento científico.
Se um dos objetivos da religião é libertar a Humanidade tanto quanto possível das amarras dos desejos e temores egocêntricos, o raciocínio científico pode socorrer a religião ainda em outro sentido. Embora seja verdade que é objetivo da ciência descobrir regras que permitam a associação e previsão dos fatos, não é esse seu único fim. Ela também procura reduzir as conexões descobertas ao menor número possível de elementos conceptuais mutuamente independentes. E nessa busca de unificação racional da multiplicidade que a ciência alcança seus grandes sucessos, ainda que seja precisamente esse exercício que a faça correr o maior risco de cair presa de ilusões. Mas quem quer que haja experimentado intensamente os avanços bem sucedidos feitos no seu domínio é movido por profunda reverência pela racionalidade manifesta na existência. Por meio da compreensão, ele atinge uma emancipação, de amplas consequências, das prisões das esperanças e desejos pessoais, e assim atinge aquela atitude humilde da mente dirigida à grandeza da razão encarnada na existência, a qual, em seus mais profundos escaninhos, é inacessível ao homem. Essa atitude, no entanto, parece-me ser religiosa no mais alto sentido do termo. E assim parece-me que a ciência não somente purifica o impulso religioso dos restos de seu antropomorfismo, mas também contribui para uma espiritualização religiosa de nossa compreensão da vida.
Quanto mais a evolução espiritual da Humanidade avança, mais certo me parece que o caminho para a genuína religiosidade não repousa sobre o medo da vida, sobre o medo da morte, sobre a fé cega, mas sobre o esforço de buscar o conhecimento racional. Nesse sentido, acredito que sacerdote precise tornar-se um professor, se ele deseja fazer jus à sua elevada missão educacional.

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* Traduzido de Out of my later years. Nova York, Avenel/NJ: Wings Books, 1993. p. 25-28.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Consciência em paz


Por Gilberto (Esp.) / Rita Foelker

Só existe uma força capaz de enfrentar as incompreensões e os julgamentos, capaz de suportar a dor das frustrações e desilusões, que são processos da vida, de encontro da verdade mas, nem por isso, menos doridos.

É a força de uma consciência em paz.

As pessoas se quebram quando não estão inteiras naquilo que fazem. E só quando estamos com nossa consciência em paz, estamos inteiros.

O campo da mediunidade, da convivência com a faculdade mediúnica e com o grupo de serviço, apresenta destas situações.

Sempre haverá interpretações acerca da conduta desejável para os médiuns e dos procedimentos adequados a uma reunião séria. Mesmo quando há um esforço sincero de busca de entendimento e aplicação de princípios espíritas, as criaturas nem sempre são felizes ao expressar suas opiniões.

Por isso, a bússola do médium é a sua consciência, norteada pela humildade e pela aceitação dos pontos de vista alheios como um seu direito inalienável.

Ouça as observações, à primeira vista, ferinas e mal-intencionadas, como oportunidades que lhe são oferecidas de reafirmar sua fé no que considera certo, e agradeça.

Não se detenha ao pé da letra do que foi dito. Educar-se para a prática mediúnica é afinar a própria sensibilidade para ouvir além das palavras, enxergar além da aparência.

domingo, 8 de agosto de 2010

Ciência e a religião, uma aliança possível*


Por Rita Foelker

Quando Kardec propôs a aliança entre a ciência e a religião, nas obras da Codificação Espírita e, especificamente, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, o mundo vivia sob a influência das idéias do Iluminismo francês, que promovia o ateísmo a baluarte da libertação da Humanidade do obscurantismo religioso, e a ciência passava as ser reconhecida como o grande caminho de emancipação e conhecimento. Isto ocorreu, em parte, devido aos grandes avanços e descobertas da época, que geraram grande entusiasmo nas mentes ilustradas.
Até a Idade Média, no Ocidente, a Igreja legislava sobre questões morais e científicas. Contudo, desde o nascimento daquilo que chamamos de “ciência moderna”, por volta de 1600, iniciou-se uma separação e um distanciamento. A ciência ensaiava sua independência da religião como “esfera cultural de valor” autônoma, expressão cunhada por Max Weber e utilizada contemporaneamente por Jürgen Habermas (Ver quadro abaixo).
Para afirmar-se, a ciência escolheu o caminho da negação da religião como fonte legítima de conhecimento. Este movimento, iniciado pelos modernos e incrementado pelos iluministas, ganha corpo com o positivismo de Auguste Comte (1798-1857), cuja doutrina procura apresentar o pensamento religioso (que ele denomina “teológico”) como uma mera etapa da infância do ser humano individual e da Humanidade em geral. Segundo este pensador e sua “lei dos três estados”, o espírito, em seu esforço para explicar o universo, passa necessariamente por três estados sucessivos:

a) o estado teológico, onde procura explicar os fatos por meio da ação de divindades com vontades semelhantes à nossa, etapa em que o pensamento evolui do fetichismo ao politeísmo e, deste, ao monoteísmo;
b) o estado metafísico, onde os deuses são substituídos princípios abstratos como causa, substância, essência, alma, etc.;
c) o estado positivo, estágio final da evolução em que o espírito renuncia a procurar os fins últimos e a responder aos últimos "porquês" das coisas, para estudar unicamente os fatos que se oferecem à percepção dos sentidos pois, quando atinge a maturidade intelectual, segundo Comte, passa ele a aceitar apenas o conhecimento científico de base empirista em seus raciocínios e reflexões, rejeitando os demais conceitos de sua fase teológica e metafísica, como um adulto que considera menos importantes as ideias que nutria quando era criança e jovem.

O distanciamento entre as esferas da ciência e da religião, permitiu à ciência um grande desenvolvimento mas, ao mesmo tempo, muitos cientistas assumiram atitudes hostis acerca das idéias religiosas.
Como elas se relacionam, atualmente?

Possíveis modos de relação entre ciência e religião

O pensador Ken Wilber, em sua obra A União da Alma e dos Sentidos, classifica os cinco modos de se estabelecer uma relação entre ciência e religião que, segundo ele, são possíveis na atualidade.
No primeiro deles, a ciência pura e simplesmente nega a religião. Esta atitude é representada hoje em dia, entre outros, por Richard Dawkins, autor de Deus – um Delírio, que considera a religião um resquício de nossas superstições advindo do passado e destinado à extinção, conforme a mentalidade científica conquista espaço no mundo.
No segundo, a contrapartida: a religião nega a ciência. Os defensores dessa posição promovem, por exemplo, uma adesão à interpretação literal da Bíblia e dos textos religiosos, que representam a única verdade para o homem e da qual a ciência mais se distancia, quanto mais a refuta.
Não há, portanto, um acordo possível entre ciência e religião, de acordo com estes dois modos referidos acima.
Num terceiro modo, temos a religião e a ciência tratando de reinos diferentes, o que possibilita uma coexistência pacífica entre elas. A religião trataria do espírito; a ciência, da matéria. Uma de suas versões é a MNI (sigla para “Magistérios Não Interferentes”), de Stephen Jay Gould, autor de Pilares do Tempo – Ciência e Religião na Plenitude da Vida. Segundo esta versão, a ciência e religião, embora coexistam pacificamente e até precisem uma da outra, jamais poderiam ser integradas, visto que seus temas de estudo e reflexão não coincidem.
O quarto modo afirma que a própria ciência apresenta argumentos favoráveis à existência de realidades espirituais, pois muitos fatos estudados no seu âmbito, no limite das observações, apontam para realidades extrafísicas. Segundo esta visão, por exemplo, a teoria do big-bang precisa de um Criador para ser explicada, a evolução segue em direção a uma meta (télos) que denota uma ação inteligente dirigindo a vida etc.
O quinto modo baseia-se na crença de que a ciência não dá conhecimento do mundo, mas que é apenas uma interpretação dele, valendo tanto quanto as interpretações da religião, da arte, da literatura e dos mitos. É uma visão pluralista comum no mundo acadêmico, a qual pode conduzir a um relativismo cultural que considera todas as interpretações como plausíveis e aceitáveis, mas não estabelece qualquer tipo de hierarquia ou critério de preferência entre elas.

A concepção espírita

O texto breve, mas altamente esclarecedor de Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo (Cap. 1, item 8) nos oferece uma alternativa a estes pontos de vista que é, ao mesmo tempo, simples e integrativa.
Primeiro, é preciso entender que as palavras “Ciência” e “Religião” são utilizadas pelo Codificador para falar de instituições humanas e, não, em sentido abstrato. Ou seja, sob este aspecto, a ciência e a religião tratam de domínios diferentes: à Religião cabe o papel social de tratar do discurso moral (e não espiritual, como propunha o terceiro modo da classificação de por Wilber), enquanto que à Ciência compete desvendar as leis do mundo material.
Contudo, por terem, ambas, uma origem única no Criador de Todas as Coisas, e derivando das elaborações do ser humano sobre si mesmo e sobre sua relação com o Cosmo, elas não poderiam se contradizer, pois refletiriam a unidade de governo e a harmonia universal das leis divinas.
Por que, então, há discordâncias? Porque, socialmente, elas assumem configurações passageiras, onde as opiniões divergem sobre alguns pontos fundamentais no entendimento da vida e da realidade. No entanto, o progresso do pensamento científico e moral tende a criar um acordo ou, como disse Kardec, uma aliança, à medida que nossa compreensão das leis divinas – tanto físicas, quanto morais – crescer e se aperfeiçoar. Um exemplo da síntese possível surge na resposta á questão 888 de O Livro dos Espíritos: “O amor é a lei de atração para os seres vivos e organizados, e a atração é a lei de amor para a matéria inorgânica.”
Como instituição social, temos hoje em dia uma ciência restrita ao mundo material, dirigida por um paradigma que não pode acomodar resultados e confirmações da realidade espiritual, por mais que elas insistam em surgir por toda parte. Temos, por outro lado, uma religião que frequentemente perdeu seu contato com as realidades invisíveis das quais se originou, esqueceu-se da verdadeira experiência espiritual, para tornar-se um conjunto de ritos e preceitos para seus adeptos.
Observadas num recorte do tempo presente, elas de fato não têm como se aproximar. Mas somente uma compreensão parcial da ciência e da religião poderia dar a entender que elas são incompatíveis. Como afirma Kardec, a ciência deixará de ser puramente materialista e a religião aceitará as afirmações da ciência como auxiliares dos seus propósitos morais. O estudo aprofundado do Espiritismo como ciência e doutrina moral pode nos ajudar a diminuir e, algum dia, a suprimir o abismo hoje existente em nosso planeta, entre o pensamento científico e o religioso.


Esferas culturais de valor

Max Weber e Jürgen Habermas afirmam que uma característica distintiva da modernidade é a separação entre as esferas culturais de valor, que significa a autonomia entre a moral, a ciência e a arte.
Enquanto na Idade Média estas esferas se confundiam, com a Igreja, por exemplo, definindo não apenas critérios morais, como também legislando sobre conhecimento científico e conteúdo da arte, hoje em dia cada uma delas pode se desenvolver a partir de suas próprias regras, sem interferências.
Esta diferenciação permite que, hoje em dia, homens como Galileu possam afirmar que há luas em Júpiter sem serem acusados de heresia, e que cientistas possam estudar as células-tronco enquanto a religião, embora com direito a opinar, nada possa fazer diretamente contra eles.


A aliança entre a ciência e a religião


São chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo têm de ser completados; em que o véu intencionalmente lançado sobre algumas partes desse ensino tem de ser levantado; em que a Ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, tem de levar em conta o elemento espiritual e em que a Religião, deixando de ignorar as leis orgânicas e imutáveis da matéria, como duas forças que são, apoiando-se uma na outra e marchando combinadas, se prestarão mútuo concurso. Então, não mais desmentida pela Ciência, a Religião adquirirá inabalável poder, porque estará de acordo com a razão, já se lhe não podendo mais opor a irresistível lógica dos fatos.
A Ciência e a Religião não puderam, até hoje, entender-se, porque, encarando cada uma as coisas do seu ponto de vista exclusivo, reciprocamente se repeliam. Faltava com que encher o vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse. Esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo, leis tão imutáveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres. Uma vez comprovadas pela experiência essas relações, nova luz se fez: a fé dirigiu-se à razão; esta nada encontrou de ilógico na fé: vencido foi o materialismo. Mas, nisso, como em tudo, há pessoas que ficam atrás, até serem arrastadas pelo movimento geral, que as esmaga, se tentam resistir-lhe, em vez de o acompanharem. E toda uma revolução que neste momento se opera e trabalha os espíritos. Após uma elaboração que durou mais de dezoito séculos, chega ela à sua plena realização e vai marcar uma nova era na vida da Humanidade. Fáceis são de prever as consequências: acarretará para as relações sociais inevitáveis modificações, às quais ninguém terá força para se opor, porque elas estão nos desígnios de Deus e derivam da lei do progresso, que é lei de Deus. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. 1, 8)
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* Este artigo foi publicado originalmente na Revista Universo Espírita.

Imagens:
- A liberdade guia o povo (1833 - detalhe), por E. Delacroix
- Retrato de Auguste Comte (data e autor desconhecidos)
- Ken Wilber, pensador estadunidense
- Folha de rosto da 7a. edição de O Evangelho Segundo o Espiritismo, em francês
- Cassiopeia A (NASA's Chandra X-Ray Observatory)

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Confiança


Por Gilberto (Esp.) / Rita Foelker

Existem algumas características que, quando fazem parte de uma amizade, tornam-na mais profunda e verdadeira. Como a confiança, por exemplo.

Um verdadeiro amigo é sempre digno de fé, até que se prove o contrário. Ninguém fica à espera de testemunhos e comprovações do que um amigo diz. Um amigo, evidentemente, pode estar enganado, como qualquer criatura, e tem o direito a um falso juízo, um erro de apreciação. Não será desprezado por isso, que é uma consequência da sua humanidade.

As diferenças morais existem, em razão da lei de evolução, mas não serão pretexto de distanciamento entre as pessoas, muito embora a planta da amizade tenha mais chances de crescer no terreno das afinidades, que no das diferenças.

Porém, um grupo mediúnico só pode progredir sobre as bases da amizade mais profunda. E num grupo mediúnico, um requisito básico é a confiança recíproca entre seus participantes. O caráter e a idoneidade dos membros do grupo não serão colocados em dúvida, porque se alguém deu provas de não ser merecedor de absoluta confiança, em primeiro lugar, não deveria fazer parte do grupo...

A grande questão da mediunidade para os grupos que a praticam é a comprovação da autenticidade do fenômeno ou, em alguns casos, a confirmação da identidade do Espírito comunicante. E é comum isto ser colocado acima da amizade, quando se formam "panelinhas" para debater a situação de um determinado componente do grupo, sem a devida consideração e respeito, quando se atira sobre o médium a responsabilidade por comunicações falsas quanto à procedência ou ao conteúdo, buscando até mesmo aventar se a sua conduta moral não vem dando ensejo a que estes fatos aconteçam.

É compreensível que as criaturas céticas e os materialistas por sistema vivam à caça de evidências da origem da comunicação e da lisura do médium, porque eles estão cumprindo o seu papel: eles são os que duvidam.

Nós, espíritas que acreditamos, que nos gabamos de ser aqueles que "não acreditam, mas que sabem" tornamo-nos, frequentemente, mais céticos que os nossos adversários, submetendo médiuns e Espíritos a um nível de desconfiança inadmissível entre criaturas que elegeram o amor como bandeira.

Isto chega a não ser consciente, mas no momento da comunicação, em que o médium necessita do amparo da ligação com o grupo, a crítica e a dúvida surgem, inicia-se o debate mental de idéias, e o ambiente fluídico se ressente de maneira intensa, prejudicando não só o desenrolar da comunicação como o próprio socorro ou atenção que o Espírito merece.

Existe o animismo? Claro. Existe a mistificação? Sem dúvida. Mas acima de tudo, o ser humano. Acima de tudo, a amizade.

Existem grupos onde se vive a patrulhar a conduta uns dos outros, o que nos faz pensar nos sentimentos que lhes inspiraram a formação e nas razões que os mantém juntos.

No entanto, não é o temor, nem o patrulhamento, que haverá de evitar que tais situações venham a ocorrer. Aliás, num grupo onde transita a espontaneidade e a confiança, é muito difícil que a farsa ganhe espaço, pois que ela é reconhecida de pronto, como elemento estranho ao ambiente, e tratada de forma equilibrada, sem provocar maiores estragos.

Se você não confia num grupo mediúnico ou num grupo de Espíritos, não há porque fazer parte dele. Se, a seu ver, não existe segurança quanto às lições e testemunhos que têm lugar na reunião, para quê ouvi-los?

Mas se há sentido e significado profundo nos fenômenos, se os Espíritos confortam e ensinam, e se as pessoas estão unidas por sentimentos sinceros, por que deter-se na incredulidade?

Bons Médiuns


Por Gilberto (Esp.) / Rita Foelker

Um bom médium não é necessariamente um médium perfeito. Aliás, nossas idéias de perfeição estão sempre a nos confundir...

Se um médium se considera perfeito e acabado, no pleno domínio de sua capacidade e conhecedor de todas as nuances do fenômeno mediúnico, o que se pode dizer a seu respeito é que está seriamente iludido. Tal possibilidade inexiste no plano dos presentemente encarnados no planeta Terra.

Se um médium se considera imperfeito, coloca-se em posição de inferioridade e de insuficiência de recursos e estará sempre produzindo aquém de suas reais possibilidades.

Bons médiuns vivem sua mediunidade com liberdade e responsabilidade; sabem que têm muito que aprender e não se furtam às lições; são autênticos na expressão dos fenômenos de que participam e colocam-se disponíveis para o trabalho com a Espiritualidade, cheios de fé e confiança.

Não se pede perfeição (moral) aos médiuns, até porque desejar ser perfeito (no comportamento) pode ser um sintoma da vaidade que tanto empenho se faz por combater. Pede-se que os médiuns confiem no instrumento que Deus lhes colocou nas mãos, fazendo com que produza para o bem geral os frutos do esclarecimento e do alívio das dores da alma.

Afinidade*


Por Gilberto (Esp.) / Rita Foelker

Não pode haver ligação mediúnica sem afinidade. Afinidades são semelhanças de idéias e sentimentos que se imprimem em nossos perispíritos, formando um retrato vivo daquilo que somos interiormente.

"Dize-me com quem andas... ", repete o povo a sabedoria dos evos.

Dize-me quem és e te direi com quem andas - eis uma outra verdade.

Por mais que tenhamos uma imagem daquilo que somos, um conceito de nós mesmos, nada é mais verdadeiro e incontestável que nossos fluidos. Eles nos colocam em contato com seres cuja constituição se lhes assemelha, uma providência da vida que nos conduz ao autoconhecimento permitindo que nos vejamos espelhados nas criaturas que nos partilham a convivência.

No entanto, esta constatação não servirá para nos manter passivos onde estamos. Dia a dia, construímos nosso mundo mental e emocional, que se modifica e, consequentemente, modifica os padrões com que nos afinizamos.

Buscar a harmonia de sentimentos, manter os pensamentos no bem, ocupar-se de leituras elevadas e ouvir boa música nos ajudam a alcançar uma melhor condição interior, uma nova configuração fluídica, e influencia na categoria dos Espíritos que se achegam a nós.
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*ABC da Prática Mediúnica é um conjunto de 20 orientações para grupos mediúnicos que foram psicografadas no período em que participei de reuniões coordenadas por Cristina Helena Sarraf, às 5as feiras à noite, no Lar Anália Franco (Jundiaí/SP). O autor espiritual é Gilberto, um dos instrutores da reunião. Elas foram publicadas no Jornal do CEM a partir de Março de 2002.

domingo, 25 de julho de 2010

Diferenças entre cachorros e homens *



Por Rita Foelker


Ao lado: Retrato do Duque de Buccleuch
(1771), por T. Gainsborough

O cachorro de Pavlov ficou conhecido devido a uma experiência feita no início do século XX. Segundo informações biográficas colhidas em http://www.netsaber.com.br/, Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) “era filho de um sacerdote e começou a estudar Fisiologia aos 26 anos, depois de ter-se dedicado também à Teologia e às Ciências Naturais. Estudou principalmente a fisiologia da digestão e, sobretudo, realizou investigações com cães, examinando sua salivação e os sucos gástricos. Baseou seus estudos no condicionamento: fez a experiência de alimentar os cães ao som de uma música determinada; posteriormente, ao ouvirem apenas a música, suas cobaias reagiram com secreção de saliva e de sucos gástricos.”
Pavlov provou, por meio desse experimento, que os cães desenvolvem comportamentos em resposta a estímulos ambientes, podendo tais comportamentos ser explicados sem que se precise entender o que se passa no plano mental ou psicológico. Essas conclusões deram material ao behaviorismo – teoria proposta por Watson**– para afirmar que o ser humano aprende essencialmente através da imitação, observação e reprodução dos comportamentos dos outros e que nossas ações são meras respostas ao ambiente externo.
Digamos que Pavlov realmente provou algo: que um cachorro faminto pode salivar diante de um ruído, ou do piscar de uma lâmpada, que ele tenha associado à oferta do alimento.
Dizer, contudo, que esta explicação se aplica aos seres humanos de forma irrestrita, é um erro de raciocínio.
Quando não por outras razões, por duas que analisaremos aqui:
(1) porque nós, seres humanos, lidamos com nossas necessidades de maneira diferente de um cão e
(2) porque podemos aceitar ou ser resistentes à aprendizagem de novos comportamentos, por razões ligadas à educação, às crenças e valores, aos sentimentos, enfim, à personalidade.
As necessidades humanas são inumeráveis e imponderavelmente complexas. Algumas são concretas como comida ou remédio. Outras são abstratas, como atenção, reconhecimento, afeto, companhia.
Uma observação sobre como os seres humanos são conscientes ou não de suas necessidades e de quais padrões desenvolveram para lidar com elas nos dará um quadro da dificuldade de se tratar este assunto em termos simplistas. Alguns desenvolvem formas de manipulação ou chantagem, outros se fazem de “vítimas”, outros sofrem calados, outros vão à busca do que precisam, outros arranjam culpados...
Para mim, por exemplo, quando estou emocionalmente abatida, trabalhar ajuda a recuperar-me. Escrever ou falar com pessoas também funciona. E você, quais são as suas necessidades? De que maneira busca supri-las?
Um ser humano pode até reagir positivamente a algumas tentativas de condicionamento, mas essas ocasiões não podem ser usadas para se estabelecer uma regra ou teoria universal de aprendizagem.
O segundo argumento diz respeito diretamente ao livre-arbítrio. Um ser humano não aprende por resposta automática a estímulos, embora responda a estímulos ambientes de alguma forma. Os comportamentos, atitudes e conceitos, para serem apreendidos, necessitam ser aceitos, quer por coerência com a personalidade, ou porque representam valores, crenças ou ideais importantes, ou porque apontam para a realização de algum interesse ou objetivo, ou por outras razões similares.
Isto se prova ao vermos grandes turmas de alunos que recebem o mesmo conteúdo dentro de uma mesma estratégia de ensino, pelo modo como variam os níveis de apreensão da matéria e os tipos de compreensão dos assuntos tratados.
Entender do que se trata, quando lidamos com seres humanos, é uma exigência da tarefa educacional.
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* Este artigo foi publicado originalmente no site da Fundação Espírita André Luiz, em 16/06/2006.
** John B. Watson (1878 -1958) foi um psicólogo estadunidense, considerado o fundador do behaviorismo ou comportamentalismo. Diz essa teoria que a conduta dos indivíduos pode ser observada, medida e controlada similarmente aos fatos e eventos das ciências naturais e exatas.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A impessoalidade do exercício mediúnico *

Na postagem anterior foram citados trechos da orientação abaixo, que reproduzimos na íntegra para conhecimento e análise do leitor

Por Werneck (Esp.)/Rita Foelker

Quando procuramos um médium, não procuramos por ser Rita, Maria ou José. Buscamos determinadas qualidades que tornam o médium mais apto à tarefa que se apresenta. Buscamos, entre os médiuns da mesa, o perfil mais apropriado. Servimo-nos daquele que melhor se adapta à necessidade do momento.

Neste sentido é que dizemos que as ligações mediúnicas mais saudáveis são impessoais.

Se nos ligamos afetivamente aos médiuns com que trabalhamos? Claro! Mas não lhe somos exclusivos, nem ele o é para nós, e não hesitaremos em buscar outro medianeiro mais qualificado para um mister diferente, se esta providência se mostrar cabível.

Espíritos que se ligam aos médiuns por motivos pessoais existem, e não são poucos. Haja vista, toda a gama dos obsessores e subjugadores. Também as afinidades estabelecidas em existências anteriores poderão facilitar o contato com estas criaturas. Mas o bom médium não vive de ligações pessoais com almas familiares ou simpáticas. Ele busca, no estudo e autoconhecimento aliados à humildade, a possibilidade de ser mais útil a uma variedade maior de Espíritos e eficiente numa diversidade de situações.

Aliás, se fazemos alguma distinção com relação aos médiuns é no que tange ao desenvolvimento destas virtudes:

  • o estudo sincero e o empenho real em aprender sobre a mediunidade e as leis espirituais;
  • o conhecimento de si mesmo que diminui a possibilidade de ser enganado por suas próprias fraquezas;
  • a humildade, que evita interferências personalistas do orgulho e da vaidade.

Se existe um médium para preferirmos exclusivamente como instrumento e, não, como ser humano, é este.

Acostume-se, portanto, o médium a não tomar como pessoais as ligações que se estabelecem na reunião, a não se tornar defensor ou acusador da criatura necessitada que o procura para fins de reajustamento íntimo, nem se considere agraciado pela chance de ser intermediário de palavras sublimes.

A prudência pede que se abstenha de comentários que denunciem preferências ou antipatias por esta ou aquela entidade comunicante. O amor abraçará a todos, na medida em que aumentar dentro de nós.

Entregar-se ao serviço mediúnico com bondade e sem acúmulo de expectativas sobre o próprio desempenho e sobre as comunicações recebidas é a melhor maneira de não se ver surpreendido, mais tarde, pela fileira dos equívocos de julgamento.

:o:o:o:

Quando, na sua tarefa habitual, o médium consegue igualmente se desprender de suas exigências e maneirismos pessoais, quando consegue relevar seu desejo de atender somente a determinada faixa de Espíritos em benefício da experimentação e do socorro às criaturas em sofrimento, torna-se facilitador do próprio aprendizado e desenvolvimento.

Quando, ao contrário, fecha-se no limite de mimos e idiossincrasias é ele, mais que qualquer outro, quem perde a oportunidade da lição presente na experiência.

No silêncio de sua alma, cada um sabe o que pode ou não fazer com sua faculdade sem prejudicar a saúde física e emocional. Que ninguém se prejudique com o pretexto de servir, e recorra aos Espíritos orientadores para esclarecer-se e assegurar-se do que é apropriado a cada momento. Mas também, que ninguém se negue a possibilidade de tentar algo novo, por preconceitos ou receios sem maior justificativa que os próprios preconceitos.

Que ninguém busque os louros da glória entre os homens, porque no ponto mais alto do exercício mediúnico encontram-se a abnegação e o desinteresse.

Entender a mediunidade como a moeda recebida em confiança na parábola dos talentos; aplicá-la, não exclusivamente segundo nossos gostos, mas segundo as necessidades da vida; investi-la sem medo, mas com bom senso, e sem distribuição indiscriminada dos seus bens, tudo isto são responsabilidades de todo bom médium.

Unicamente o discernimento e a humildade conferem parâmetros seguros a este exercício, discernimento e humildade que não podem conviver com o personalismo.
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* Esta comunicação foi publicada originalmente no Jornal do CEM - Ano V - Edição nº9 - Fevereiro de 2002

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A Mística da Mediunidade *

Mística: conteúdo de uma idéia, causa, instituição etc., ou a atmosfera ou aura de perfeição, verdade, excelência incontestável que as cerca, despertando nas pessoas respeito, adesão apaixonada, devotamento, sectarismo etc. (Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa)

Rita Foelker

Quase todos os espíritas que conheço detestam ser considerados místicos e procuram, de muitas maneiras, evitar que as reuniões do centro apresentem qualquer indício que possa caracterizar algum tipo de misticismo. Mas, talvez por sua própria falta de esclarecimento sobre a verdadeira natureza da prática mediúnica, observo que foi criada no meio espírita brasileiro uma mística da mediunidade. Isso mesmo: uma adesão apaixonada, um certo devotamento e alguns sectarismos. Explicada em O Livro dos Médiuns como faculdade inerente ao ser humano, a mediunidade é uma capacidade natural que todos possuímos em maior ou menor grau. Ela nos possibilita perceber a presença dos amigos desencarnados, captar seus pensamentos e, nos casos da mediunidade ostensiva, servir de intermediários de suas manifestações no plano material.
Mas a maioria das casas espíritas não trata o fenômeno mediúnico com esta mesma naturalidade. Algumas evidências do que estou afirmando estão analisadas a seguir.

1) Endeusar alguns médiuns e Espíritos e desconfiar de outros.

Ao nos esquecermos de que a faculdade mediúnica se insere no contexto da humanidade e, portanto, sujeita-se às fragilidades e instabilidades do ser humano, criamos formas de agir que estabelecem a credibilidade absoluta para alguns médiuns e Espíritos e a desconfiança de tudo o que procede de outros.
O médium eleito se torna portador das orientações espirituais para o grupo, e as palavras e idéias transmitidas por ele são acatadas. Não se conversa com os Espíritos, que praticamente nunca são questionados.
Outros (encarnados e desencarnados) são rechaçados antes mesmo de suas comunicações serem conhecidas e analisadas. É comum vermos uma rejeição a priori de obras mediúnicas, porque seus autores não são vistos com "bons olhos" em alguns locais. Este proceder não é lógico nem racional, assim como é ilógica a aceitação incondicional de tudo o que nos chega por intermédio de quem quer que seja, mesmo sendo Chico Xavier.
Se, em vez de eleger médiuns e Espíritos de confiança, tomássemos o cuidado de estudar e analisar tudo o que nos chega através da mediunidade, deste modo seguiríamos a orientação de Kardec.

Fatos

Os Espíritos se aproximam de determinado intermediário por razões diversas: por afinidade, flexibilidade para o tipo de comunicação que deseja transmitir ou grau de desenvolvimento da faculdade.
Diz Werneck, um de nossos orientadores desencarnados: "Quando procuramos um médium, não procuramos por ser Rita, Maria ou José. Buscamos determinadas qualidades que tornam o médium mais apto à tarefa que se apresenta. Buscamos, entre os médiuns da mesa, o perfil mais apropriado. Servimo-nos daquele que melhor se adapta à necessidade do momento."*
De acordo com este pensamento, no ambiente de respeito e sinceridade que precisa reinar nas reuniões, não haveria médium melhor que outro, no que se refere à confiabilidade, pois todos seriam considerados capazes de produzir belas mensagens ou, igualmente, de se enganarem quanto à identidade/qualificação moral do Espírito que com sua ajuda se comunica. Assim, o médium se sentiria liberado do peso da obrigação de infalibilidade e, pondo-se mais à vontade, tornar-se-ia mais eficiente.
Mas quando o grupo cria em torno de um médium uma expectativa que ele não tem como cumprir e, frequentemente por orgulho, tem dificuldade de admitir isso, a atitude científica preconizada por Kardec não pode acontecer. A prática e o seu resultado ficam prejudicados.

2) Considerar as falas ou escritos mediúnicos intocáveis, o que leva a deixar de analisar as comunicações transmitidas.

O Espiritismo no Brasil assumiu feições predominantemente religiosas, o que colocou a mediunidade no terreno do "sagrado". E tudo o que é sagrado, numa comunidade, torna-se admirado e intocável.
O médium, por ser aquele que faz contato com o "sagrado", é visto como um Ser especial.
O Espírito, por nos falar de uma dimensão invisível, é visto como "sagrado".
E o sagrado não pode ser "dissecado" pela ciência ou esmiuçado pela razão, pois é um sacrilégio levantarem-se questões sobre ele ou, mesmo, duvidar.
Pode-se negar que isto existe, mas é um fato observável, até pelas exigências e formalismos que revestem a comunicação mediúnica em algumas casas. Formalismos e exigências que não servem de atestado, nem de legitimidade do fenômeno, nem de identidade do comunicante.
E a quem argumentar que isto ocorre entre as camadas mais ignorantes, o que nem sempre é verdade, eu perguntaria que trabalho de orientação as casas fazem a estas pessoas, já que a situação não é nova e persiste em tantos lugares.

Mediunidade natural

No Capítulo II de O Livro dos Médiuns, em que Kardec fala sobre "O Maravilhoso e o Sobrenatural", todo o seu raciocínio visa mostrar que a mediunidade e os Espíritos são naturais, uma realidade ainda pouco conhecida, mas não extraordinária. Se aprendermos com ele, veremos que ambos são assuntos que podem pertencer ao campo da pesquisa científica e das abordagens filosóficas, e que este entendimento nos traria muitas vantagens.
Uma das vantagens, a de desmistificar a mediunidade e o médium, trazê-los para o campo do estudo mais aprofundado e da análise imparcial.
Outra vantagem é a permissão para que os médiuns sejam tratados como pessoas comuns, sujeitas aos altos e baixos emocionais, e desta forma não se sintam constrangidos em assumir suas dificuldades e em pedir ajuda quanto precisarem.
Pondera Werneck, ainda no texto citado: "se fazemos alguma distinção com relação aos médiuns é no que tange ao desenvolvimento destas virtudes:
  • o estudo sincero e o empenho real em aprender sobre a mediunidade e as leis espirituais;
  • o conhecimento de si mesmo que diminui a possibilidade de ser enganado por suas próprias fraquezas;
  • a humildade, que evita interferências personalistas do orgulho e da vaidade." **

Para o médium, em particular, a grande desvantagem do sectarismo em torno de alguns Espíritos e dele próprio é insuflar suas carências personalísticas, o perigo de torná-lo um dependente da admiração do grupo e impedi-lo de enxergar suas próprias necessidades. Mais companheirismo e menos posicionamentos apaixonados ao seu redor contribuiriam para fazer dele uma pessoa mais equilibrada e, talvez, um melhor medianeiro.

_____
* Este texto foi publicado originalmente no Jornal do CEM - Ano VIII - Edição nº4 - Setembro de 2004
** Trecho extraído de "A impessoalidade do exercício mediúnico", de Werneck (Esp.), texto publicado no Jornal do CEM de Fevereiro de 2002
*** Idem

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Autenticidade e comprovações pessoais*

Por Rita Foelker

Inúmeras pessoas não acreditam em Espíritos, em fenômenos anímicos ou mediúnicos.
Algumas esperam provas, de preferência produzidas exclusivamente para si, zombando daqueles que consideram crédulos ou ingênuos.
Sobre essas pessoas, diz Kardec: “Os que no Espiritismo unicamente procuram efeitos materiais, não lhe podem compreender a força moral. Daí vem que os incrédulos, que apenas o conhecem através de fenômenos cuja causa primária não admitem, consideram os Espíritos prestidigitadores e charlatães. Não será, pois, por meio de prodígios que o Espiritismo triunfará da incredulidade: será pela multiplicação de seus benefícios morais, porquanto, se é certo que os incrédulos não admitem os prodígios, não menos certo é que conhecem, como toda gente, o sofrimento e as aflições de quem recusa alívio e consolação.”**
E observa, ainda, o Codificador: “Os meios de convicção variam extremamente, segundo os indivíduos. O que persuade a uns não impressiona a outros. Se um se convence por meio de certas manifestações materiais, outro por comunicações inteligentes, a maioria é pelo raciocínio.” ***
Enquanto um olhar atento e uma mente aberta poderiam enxergar evidências da vida espiritual e da fenomenologia espírita por toda parte, continuamos encontrando pessoas que as negam sistematicamente. Talvez, porque o convencimento dependa do grau de entendimento da natureza da realidade espiritual, que só pode advir de um estudo aprofundado das leis universais e de uma observação isenta de paixões e sectarismos.
O que significa comprovar uma ideia ou um fenômeno? Presenciar, ver e tocar seus efeitos? Admitir como razoável, dentro de uma linha de raciocínios lógicos, experimentações pessoais e observações?

Sincronicidade

Muitas das comprovações possíveis, de uma ação inteligente presidindo nossas vidas, ocorrem no campo do que chamamos de sincronicidade.
Criado pelo psicanalista Carl Gustav Jung (1875-1961), em 1929, o termo sincronicidade define um princípio de “ligação não-causal”, ou seja, de ligações significativas entre fatos aparentemente não relacionados entre si.
Fatos sincrônicos revelam o propósito inteligente, evolutivo da vida, orientando e incentivando através de pequenas e simples ocorrências, em geral percebidas somente por aquele a quem se dirigem. Eles podem acontecer (e acontecem) com qualquer pessoa, o que varia é o grau de consciência a seu respeito.
É preciso estar em contato consigo mesmo e com um nível mais sutil de percepção, para constatar que a sincronicidade existe e funciona. Pode ocorrer um fato externo, banal para a maioria das pessoas, mas com um significado subjetivo que descobrimos posteriormente, um significado que conduz a uma nova compreensão ou a percepção de sentidos anteriormente ocultos nas situações da existência.
Os caminhos da Espiritualidade são sutis e delicados. Somente as almas endurecidas pedem provas retumbantes, e ainda assim seriam capazes de delas descrer.
Para o filho de alma sensível, uma flor que nasce no jardim pode ser um recado de sua mãe que partiu, pelos significados e conexões internas que se estabelecem, pela sintonia de afeto que se cria.
Não é curioso que aqueles que mais exigem provas e comprovações sejam aqueles que estão mais longe de percebê-las e de compreender?
É importante deixar claro, porém, que as comprovações pessoais da presença e ação dos Espíritos na existência não excluem a necessidade e nem a possibilidade de obtenção de comprovações objetivas que a ciência espírita obtém diuturnamente.

Quem foi Carl Gustav Jung

Médico psiquiatra suíço, foi o fundador da psicologia analítica. Profundo conhecedor de história e mitologia, suas teorias sobre os tipos psicológicos, o inconsciente coletivo e os arquétipos iluminam vários aspectos não apenas do indivíduo psicossocial, mas do ser espiritual em evolução.
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* Este texto foi publicado originalmente no Jornal do CEM - Ano VIII - Edição nº7 – Dezembro de 2004, com o título "Autenticidade e comprovações", e foi revisado para esta postagem.
** A Gênese, Cap. 15, item 28.
*** O Livro dos Médiuns, “Do método”, item 29.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Os milagres de Jesus, segundo o Espiritismo

Curas de cegos e paralíticos, ressurreições e outros fenômenos extraordinários pontuam a narrativa dos Evangelhos, mas suas causas são naturais e podem ser compreendidas com a ajuda da ciência espírita

Texto inédito
Por Rita Foelker

Ao lado: Santas mulheres no sepulcro (1890), por William A. Bouguereau

Os milagres intrigam. Costumam parecer inexplicáveis e levam a supor que aqueles que os obtêm possuem algum poder sobrenatural. Para o Espiritismo, porém, nada existe de sobrenatural, isto é, nada pode estar acima das leis de Deus, que são todas leis da Natureza.
Como encontrar, então, uma forma racional e científica de compreender tantos fenômenos narrados nos Evangelhos, como a pesca maravilhosa, as curas diversas, a ressurreição de Lázaro?
De fato, existem duas chaves simples para esse entendimento: uma delas é a compreensão de quem é Jesus e, a outra, refere-se às propriedades daquilo que a Codificação chamou de fluidos. Vamos conhecer estas chaves para depois aplicá-las a alguns eventos tidos como milagrosos, no intuito de entender como funcionam.

O fluido calórico e os fluidos espirituais

A ciência resolveu muitos enigmas relacionados às forças consideradas sobrenaturais, como a explicação para os eclipses, por exemplo, que por muito tempo foram considerados eventos mágicos.
Para os fenômenos em que a ação do elemento espiritual é decisiva, porém, precisamos buscar o entendimento das leis que regem a vida psíquica.
Nos diálogos com os Espíritos, Allan Kardec fazia perguntas baseado nas ciências de sua época. Na Física, a teoria aceita para explicar o calor nos séculos XVIII e XIX, era a do fluido calórico. Tratava-se de uma suposta substância transmitida pelos corpos quentes aos mais frios. A idéia de fluido predominava também na compreensão de outros fatos: a eletricidade era a transmissão de fluido elétrico, o imã emitia o fluido magnético, e assim por diante.
Já por volta de 1860, o físico escocês James C. Maxwell propôs que o calor seria um estado de vibração das moléculas, idéia que viria a substituir a do fluido calórico. Os Espíritos, porém, só podiam explicar seus conceitos a partir do que os homens compreendiam por suas ciências. Na época, o que havia na Física eram os fluidos. Os Espíritos explicaram, então, que toda a matéria que conhecemos, e também a matéria imponderável do mundo espiritual, eram transformações de uma só origem, chamada de fluido cósmico universal, a matéria elementar primitiva que se formou no início do Universo e originou todos os corpos e substâncias, sejam eles perceptíveis ou não pelos sentidos materiais.
No seu estado etéreo, que não é detectado por nossos instrumentos, nas suas propriedades e nas suas inúmeras modificações, encontramos o agente de fenômenos que comumente se consideram milagrosos ou sobrenaturais.
Diferente da matéria que conhecemos, eles mudam de forma, se expandem e se contraem ao influxo dos pensamentos, emoções e sentimentos. Há fluidos (a partir daqui chamaremos “fluidos” as substâncias do mundo espiritual) calmantes, excitantes, prejudiciais e benéficos de tantos tipos quantos forem os pensamentos, emoções e sentimentos a eles associados. E a matéria densa, aquela que impressiona os cinco sentidos, não é obstáculo para eles, pois que a atravessam.
Os fluidos permitem a transmissão de pensamentos, sentimentos e emoções entre os Espíritos. No mundo material, uma de suas aplicações mais importantes está relacionada à cura. No mundo espiritual, eles têm para os Espíritos em geral uma aparência tão palpável quanto os nossos objetos do dia-a-dia. No entanto, os que são mais esclarecidos conseguem compreender seu papel, bem como usar suas propriedades para seus propósitos.
Um dos produtos mais importantes derivados dos fluidos é o perispírito, ou o corpo espiritual que todos os Espíritos possuem, o qual também é considerado seu “órgão sensitivo”, responsável pelas sensações que experimenta. O perispírito de um ser encarnado é ligado ao seu organismo molécula a molécula, desde a concepção e enquanto perdurar a vida física, e sua constituição íntima não é idêntica em todos os seres, variando conforme os mundos onde se encontre e a evolução atingida.
Não há, ainda hoje, meios de observação e nem mesmo uma teoria plausível para conceber a matéria do mundo espiritual. Todavia, as explicações dos Espíritos sobre suas propriedades, condições e efeitos são válidos e constituem a base teórica da Ciência Espírita

Jesus, um Espírito superior

O Livro dos Espíritos nos diz que Jesus é o Espírito mais elevado que já encarnou em nosso planeta. Sendo assim, não seria de estranhar-se que realizasse prodígios. Sua superioridade moral e a amplitude de seus conhecimentos das leis naturais tornaria possível fazer coisas que são impossíveis para o nível evolutivo médio da Humanidade terrena. Sobre ele, afirma A Gênese: “A sua superioridade com relação aos homens não derivava das qualidades particulares do seu corpo, mas das do seu Espírito, que dominava de modo absoluto a matéria e da do seu perispírito, tirado da parte mais quintessenciada dos fluidos terrestres. Sua alma, provavelmente, não se achava presa ao corpo, senão pelos laços estritamente indispensáveis. Constantemente desprendida, ela decerto lhe dava dupla vista, não só permanente, como de excepcional penetração e muito superior à que de ordinário possuem os homens comuns. O mesmo havia de dar-se, nele, com relação a todos os fenômenos que dependem dos fluidos perispirituais ou psíquicos. A qualidade desses fluidos lhe conferia imensa força magnética, secundada pelo incessante desejo de fazer o bem.”

Dupla vista

A dupla vista – ou segunda vista – é um fenômeno descrito em O Livro dos Espíritos que permite ver objetos ausentes como se estivessem presentes e também penetrar nos pensamentos e intenções de outras pessoas ou Espíritos quando se está plenamente acordado. É uma faculdade que se explica pelo fato da visão da alma não ser circunscrita ao corpo físico e não ter localização determinada. Sendo o perispírito o seu órgão dos sentidos, e sendo os fluidos expansíveis e capazes de atravessar a matéria densa, disso decorre que um Espírito pode ter percepções à distância ou através de corpos opacos conforme seja capaz de expandir seus fluidos perispirituais.
A capacidade da dupla vista explica fatos como a pesca maravilhosa e a aceitação imediata e espontânea dos apóstolos ao convite de Jesus para a tarefa de espalhar a Boa Nova.
Conta Mateus que, passando pelas margens do Mar da Galiléia, Jesus encontrou Simão Pedro juntamente com seu irmão André, ocupados em seus afazeres de pescadores. Foi quando lhes fez o célebre chamado, para que o acompanhassem e se tornassem “pescadores de homens”, e eles então deixaram as redes e o pai e o seguiram. Como isso foi possível? Ora, em várias passagens lemos a expressão “Jesus, conhecendo-lhes os pensamentos...”, o que ocorria porque Jesus conseguia perceber as irradiações desses pensamentos. Ao dirigir-se a Simão e André, o mestre galileu já conhecia suas disposições mais íntimas e sabia que eles o seguiriam.
Dentre os feitos narrados nos Evangelhos, encontramos também outro exemplo de dupla vista: a pesca maravilhosa. Narra o evangelista Lucas que após falar ao povo que se comprimia às margens do lago de Genesaré, Jesus disse a Simão Pedro que levasse seu barco para o mar e lançasse suas redes. Pedro então respondeu-lhe que por toda a noite haviam feito isso, sem nada conseguir. Obedecendo, no entanto, ao Mestre, entrou no mar e conseguiu apanhar tantos peixes que a rede se rompeu.
Kardec explica que “Jesus não produziu a presença peixes onde não os havia; mas que ele viu, com a vista da alma, (...) o lugar onde se achava o cardume e por isso disse com segurança aos pescadores que lançassem ali suas redes”.
A segunda vista explica igualmente a atitude de Jesus perante o beijo de Judas e, na sua entrada em Jerusalém, uma semana antes de sua crucificação, que ele houvesse mandado buscar o jumentinho em um local específico da cidade, a fim de conduzi-lo.

Libertações e ressurreições

Importantes passagens da vida de Jesus narram a libertação de possessos ou endemoniados.
Fala-se no Evangelho de Marcos de um possesso cego e mudo que foi apresentado a Jesus por um grupo, em Cafarnaum, e há também caso do menino endemoniado que espumava e convulsionava e que desmaiou ao ser abandonado pelo obsessor, além de outros mais.
Possessão é um termo que leva a imaginar erroneamente que um ser pode “tomar posse” do corpo de um encarnado e usá-lo a bel-prazer, o que não ocorre de fato. O que ocorre é que um Espírito inferior se identifica fortemente com um outro, encarnado, cujos defeitos e qualidades sejam os mesmos que os seus, a fim de atuar conjuntamente com ele. O encarnado, nesse caso, é sempre quem atua, conforme quer, sobre seu corpo, pois um Espírito não pode substituir-se ao que está encarnado, visto que este terá que permanecer ligado ao seu corpo até o final de sua existência material.
Acresce também que, embora se fale em demônios, criaturas especialmente voltadas a praticar o mal, conforme o senso comum, tratava-se, na verdade, de Espíritos perturbadores ou obsessores, que perseguiam pessoas e que, graças à autoridade moral do Mestre, não podiam resistir à sua vontade e tinham de obedecer-lhe, por isso deixavam em paz os seus perseguidos.
As ressurreições também são fatos surpreendentes da narrativa bíblica. Podemos nos recordar da que ocorreu com a filha de Jairo e também da de Lázaro.
Ao falar em ressurreição, logo pensamos na restituição da vida a quem estava realmente morto, o que seria contrário às leis da natureza. Isso não poderia ocorrer, pois o Espírito que se liga ao corpo no momento da concepção com ele permanece até a morte, não havendo outro jeito de religar posteriormente ao corpo uma alma que dele estivesse totalmente separada. Algumas situações, porém, levam à aparência de morte física, mesmo que o Espírito ainda esteja ligado ao organismo. Lembremos ainda que, à época em que estes fatos ocorreram, era comum interpretar que a ausência de respiração fosse um sinal de morte. No entanto, ao referir-se à filha de Jairo, por exemplo, o próprio Jesus afirma que ela “dorme” apenas, de forma que consegue reanimá-la pelo poder vital de seus fluidos.
Quanto a Lázaro, que estaria sepultado já há quatro dias, compreende-se que ele não estava propriamente morto, mas letárgico. Letargia é um estado de desprendimento do Espírito de seu corpo associado à perda temporária e completa da sensibilidade e do movimento. Lê-se em A Gênese: “Dado o poder fluídico que Jesus possuía, nada de espantoso há em que esse fluido vivificante, acionado por uma vontade forte, haja reanimado os sentidos em torpor; que haja mesmo feito voltar ao corpo o Espírito, prestes a abandoná-lo, uma vez que o laço perispirítico ainda se não rompera definitivamente”.

Curas diversas

As curas são momentos marcantes da missão de Jesus, explicadas pelas propriedades terapêuticas dos fluidos. Embora comumente se pense na fé como uma virtude mística ou religiosa, trata-se de uma força real e atrativa, que age sobre os fluidos e lhes imprime potencialidades curativas.
O apóstolo Marcos nos conta que ao chegar a Betsaida, pediram ao Mestre que tocasse um cego, que ele o tomou pela mão e o levou para fora da vila. Após passar saliva em seus olhos, perguntou-lhe se via alguma coisa, ao que ele respondeu: “Vejo a andar homens que me parecem árvores.”. – Jesus lhe colocou de novo as mãos sobre os olhos e ele conseguiu ver melhor, até ficar perfeitamente curado.
Kardec observa: “Aqui, é evidente o efeito magnético; a cura não foi instantânea, porém gradual e consequente a uma ação prolongada e reiterada, se bem que mais rápida do que na magnetização ordinária. A primeira sensação que o homem teve foi exatamente a que experimentam os cegos ao recobrarem a vista. Por um efeito de óptica, os objetos lhes parecem de tamanho exagerado.” Sendo efeito de leis naturais explicadas pelo Magnetismo Animal, esta mesma forma de curar se repetiria com Mesmer e seus seguidores, no século XVIII.
Para quem acredita que Jesus era especial apenas em função das curas e outros fatos excepcionais que pontuaram sua encarnação terrena, o Espiritismo responde que a verdadeira superioridade de seu Espírito transparece, não nos fatos extraordinários a que deu causa, mas na excelência dos seus ensinos e na doutrina moral que eles transmitem. Escreve o Codificador: “Diante desse código divino, a própria incredulidade se curva. É terreno onde todos os cultos podem reunir-se, estandarte sob o qual podem todos colocar-se (...). Para os homens, em particular, constitui aquele código uma regra de proceder que abrange todas as circunstancias da vida privada e da vida pública, o principio básico de todas, as relações sociais que se fundam na mais rigorosa justiça. E, finalmente e acima de tudo, o roteiro infalível para a felicidade.”


Jesus ensinou a seus discípulos o poder da fé

As curas pelo magnetismo são fatos submetidos às leis da Natureza. E a fé surge como elemento decisivo na cura, como no caso do menino obsediado, que foi apresentado aos seus discípulos e eles não puderam curá-lo. Segundo nos conta Mateus, Jesus, teria dito: “Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei eu convosco, e até quando vos sofrerei? Trazei-mo aqui.” Tendo sido libertado do Espírito obsessor e da doença, o menino sarou. Os discípulos, procurando o Mestre em particular, indagaram: “Por que não pudemos nós expulsá-lo? E Jesus lhes disse: Por causa de vossa pouca fé; porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível.”


Agradecimento Especial
Ao meu amigo Paulo Henrique de Figueiredo, com quem as muitas conversas sobre a ciência espírita e o Magnetismo Animal ajudaram a produzir este texto.

domingo, 11 de julho de 2010

Peculiaridades do Espiritismo prático*

Quando se fala em Espiritismo prático, em médiuns e mediunidade, pessoas diferentes têm ideias bastante diferentes sobre de que se trata.
Sejam elas espíritas ou não-espíritas.
Primeiro, porque as leis do intercâmbio mediúnico funcionam com ou sem conhecimento profundo das mesmas. Quero dizer que é até possível formar um grupo e iniciar uma reunião de auxílio a Espíritos e encarnados – e efetivamente atingir resultados – sendo ou não um profundo conhecedor dos processos envolvidos e das premissas básicas para uma utilização responsável do potencial mediúnico. Isto, evidentemente, pode conduzir a desvios que não serão abordados aqui. Segundo, porque o principal, que é a intenção sincera, o desinteresse moral e o amor, aliados à faculdade mediúnica, podem ser encontrados em toda parte. Quando percebem nos grupos tais qualidades, bons Espíritos acorrem a estes núcleos e podem, até, suprir sua necessidade de orientação. Afinal, se assim não fosse e se os simples e os iletrados não tivessem acesso aos seus benefícios, a Espiritualidade não conseguiria atuar em tantos lugares e consolar tantos corações.
Agora, há sempre o perigo de a vaidade brotar e pôr o trabalho a perder, ou de surgirem Espíritos oferecendo instruções que contrariam o bom-senso e a boa lógica das manifestações. Por isso, não se recomenda a prática mediúnica sem estudo dos princípios contidos em O Livro dos Médiuns e de uma forte base de compreensão do Evangelho.
Foi dito acima que há muitas idéias diferentes acerca do “que é” e “como” praticar a mediunidade, tanto para quem está familiarizado com os costumes de algum grupo específico, como para quem pouco conhece do assunto. A diversidade de estilos de reunião poderia deixar confuso, a princípio, aquele que decidisse aprender da experiência, visitando diferentes grupos e colhendo informações para formar seu próprio conceito.
Mas há alguns elementos que realmente diferenciam uma reunião mediúnica baseada nas instruções deixadas por Kardec e os Espíritos da Codificação daquelas que encontraram outros caminhos divergentes ou, até, conflitantes. Vamos enumerar alguns:

  1. Numa prática espírita bem fundamentada e potencialmente bem sucedida, empreendida por grupos sérios, há princípios e métodos envolvidos, que surgem da compreensão das leis de Deus e do funcionamento da prática mediúnica.
  2. Não há rituais, objetos ou paramentos materiais, pois tudo o que se pede aos participantes é a preparação da alma pela humildade, amor e desejo de instruir-se.
  3. Há a prece que estreita a ligação com Espíritos elevados, ligação que é necessária para o bom andamento da reunião. A prece constitui também o reconhecimento de que não trabalhamos sozinhos e que não produzimos fenômenos e comunicações úteis apenas pelo nosso desejo e vontade, mas na dependência da ligação com os trabalhadores abnegados do Outro Lado.
  4. Podemos encontrar grupos, não somente de prática e assistência espiritual, que são os mais numerosos, mas também de pesquisa e estudo da mediunidade.
  5. Devido à sutileza do objeto da reunião, o Espírito encarnado e desencarnado e suas afecções, exige-se requisitos em geral ausentes de outros tipos de estudo, pesquisa e prática. O aspecto moral é um dos mais relevantes. Nada nos grupos sérios jamais é feito por dinheiro ou outro tipo de interesse. Quem recebe a ajuda costuma ser desconhecido do grupo de trabalho, inclusive.
  6. Os médiuns são considerados pessoas comuns, companheiros de tarefa e, jamais, a são tratados de forma especial que sugira algum tipo de idolatria à personalidade.
  7. A ajuda ocorre pela ação do pensamento à distância, pela prece em favor dos assistidos e pelo esclarecimento aos desencarnados. Tal auxílio não exige ações materiais daquele que o procura, mas é favorecido pela sintonia de pensamento. Portanto, o que será pedido àquele que busca auxílio é uma atitude de prece e a melhoria nos padrões de pensamento.

Não creio ter esgotado os itens presentes numa boa reunião espírita nos moldes do Espiritismo legado por Kardec, mas imagino ter contribuído para esclarecer alguns leitores a respeito de quais indícios é preciso analisar, ao travar conhecimento com um grupo mediúnico.

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* Este texto foi publicado originalmente no site da Fundação Espírita André Luiz, em 30/10/2006.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Caçadores de mitos e fraudes*

Tanto o ceticismo ferrenho quanto a crença cega são prejudiciais para a compreensão de qualquer conceito

Por Rita Foelker

Os caçadores de mitos e fraudes têm conquistado espaço na TV e na internet.
Há alguns anos um dos mais famosos, o mágico e autor de livros James Randi, lançou um desafio a qualquer pessoa que se considerasse médium ou paranormal, para que se submetesse a testes em condições determinadas por ele. Caso a pessoa conseguisse realizar seu fenômeno em tais condições, receberia U$1.000.000.
O NatGeo, canal de TV por assinatura, apresentou certo tempo atrás uma série intitulada “Verdade ou Mito?”. O site do canal anunciava o programa desta forma: “Verdade ou Mito? vai examinar algumas de nossas crenças mais apreciadas e descabidas. Através da ciência e do velho bom senso, colocaremos essas fábulas à prova até, por fim, derrubá-las.”
As pessoas que duvidam de tudo que não possa ser provado de forma evidente são chamadas de céticas. O ceticismo pode ser uma boa estratégia contra a credulidade excessiva: duvidar daquilo que ainda não está provado para não cair nas armadilhas da ilusão. Mas, às vezes, essa dúvida se transforma numa cruzada apaixonada para demolir crenças e teorias, deixando de ser racional para tornar-se tão dogmática quanto a fé cega. E alguns de seus argumentos podem ser bastante frágeis.
O Ceticismo é um movimento antigo na história da Filosofia e Kardec nos ensina como agir perante os céticos em relação aos fenômenos espíritas.

O Ceticismo na Filosofia e na Ciência

O termo “ceticismo” vem do grego "skêpsis" e significa indagação, exame.
O Ceticismo filosófico é uma atitude do filósofo ou de qualquer pessoa que escolhe examinar seus e conceitos, idéias, percepções e crenças de uma forma crítica, para ver se são absolutamente verdadeiros.
Francisco Saiz, em seu artigo Ceticismo científico x ceticismo dogmático, afirma que “o ceticismo, quando utilizado de forma inteligente e livre de dogmas, permite que não nos contentemos com respostas mal dadas. Nos impele para o sincero questionamento e nos direciona para as descobertas”.
A primeira escola cética foi fundada por Pirro, no século IV a. C.. Para os seus seguidores, examinar, descobrir e concluir não é o mais importante. Sua principal característica é considerar a indagação como um fim em si mesmo.
Inspirado no ceticismo grego e em oposição ao pensamento medieval, o ceticismo ressurge na Renascença, caracterizado pelo individualismo, o pragmatismo e o racionalismo deste movimento. Seu alvo preferido é a religião, que ataca violentamente.
Seu maior representante foi o francês Miguel de Montaigne (1533-1592). Para ele, tudo é incerto: os dados da razão podem enganar, os sentidos não são confiáveis, e só o “eu”, como centro das mais variadas experiências humanas, é digno do seu interesse. Por isso, o individualismo do Renascimento perpassa sua obra e suas idéias.
Ainda na Idade Moderna surge outra importante figura na história do ceticismo, o escocês David Hume (1711-1776).
Seu ponto de partida é que muitas de nossas crenças não possuem uma justificação racional. O que ele pretendia realmente, contudo, não era destruir toda e qualquer crença ou idéia, mas questionar a eficácia da capacidade humana para conhecer o mundo objetivamente.
Tomemos como exemplo o princípio da causalidade que diz que todo o efeito tem uma causa e que, nas mesmas circunstâncias, a mesma causa produz sempre os mesmos efeitos. (É uma versão do princípio espírita da causa e efeito.) O princípio da causalidade, segundo Hume, não passa de uma associação mental entre dois fatos que interpretamos, um como causa, o outro como efeito. Trata-se de uma “ilusão psicológica” ou “hábito mental”.
O Ceticismo científico, por sua vez, relaciona-se ao filosófico. É uma postura científica e prática, em que alguém questiona a veracidade de uma alegação, e procura provar se é verdadeira ou falsa. Para isso, usa o método científico, entendido como um conjunto de normas básicas para validar uma experiência.
Carl Sagan (1935-1996), autor da frase “Devemos ter a mente aberta, mas não tanto que o cérebro caia fora”, é um dos expoentes contemporâneos do ceticismo científico.

Ceticismo na TV

Iniciamos falando sobre programas de TV que se propõem a desvendar as verdadeiras causas de alguns fenômenos tidos como “paranormais” ou “sobrenaturais”.
“Verdade ou Mito?” abordou assuntos como fantasmas, o Pé Grande, os círculos em plantações, os discos voadores, força da mente e a mediunidade.
O roteiro dos programas foi sempre semelhante: havia uma descrição dos fatos e da origem das crenças em torno deles, com testemunhos de algumas pessoas, e então procurava-se estudiosos e cientistas (ou até aventureiros, como no caso dos círculos em plantações) que mostrassem que aquele fato poderia ser reproduzido por meios materiais e sem qualquer intervenção oculta.
Para os idealizadores de “Verdade ou Mito?”, a intenção de derrubar mitos e fraudes parecia ter sido realizada quando, por exemplo, um caça-fantasmas ao investigar uma casa considerada assombrada, disse perceber outros espíritos mas não mencionou o do jovem que se sabia ter desencarnado ali, ou quando as gravações de vozes obtidas no local não eram nítidas o suficiente para se entender com clareza, ou quando as fotografias tiradas pudessem ser reproduzidas em outras condições.
O programa falhou ao ser superficial, ao oferecer como prova “demolidora” apenas uma alternativa, ou fato indicador de fraude ou de causas materiais para a certa ocorrência, mas sem pesquisar outras provas de que tais fenômenos existem e podem acontecer em circunstâncias diferentes. No caso da gravação de vozes inaudíveis, por exemplo, mostra-se uma gravação ruim para demolir toda uma concepção de que os espíritos podem deixar mensagens em fitas magnéticas. Mas a pesquisadores sérios como Sônia Rinaldi, que tem anos e anos de experiências e de casos comprovados, não se oferece a oportunidade de falar.
Como atração televisiva, “Verdade ou Mito?” poderia ter alcançado maior êxito e conseguiria efetivamente separar as verdades dos mitos, se tivesse mais cautela ao analisar o material de que dispõe e melhores critérios científicos ao produzir suas provas.
As fotos e filmes de espíritos e fantasmas recebem o mesmo tratamento. Coloca-se alguém apresentando um truque para obter uma imagem fantasma, que é reproduzido e explicado detalhadamente. Por si só, porém, a possibilidade de haver truques não invalida a possibilidade de se obter tais fotos e filmes sem truques.

Kardec perante os céticos

Se considerarmos o cético uma pessoa que tem uma posição crítica em determinada situação, geralmente por empregar princípios do pensamento crítico e métodos científicos, veremos que ele muito contribui para a investigação científica e filosófica. Devemos salientar que uma dose de ceticismo é benéfica e saudável e que os céticos nos prestam um grande serviço ao desmascararem certas lendas e pseudoteorias. O excesso de credulidade pode ser tão prejudicial quanto a incredulidade absoluta, e não se constitui num caminho seguro para chegar à verdade. Contudo, os céticos, ou os que assim se autodenominam, também podem se equivocar e o fazem, em geral, por assumirem posições subjetivas arbitrárias.
Um dos princípios utilizados pelos céticos para defender suas posições se chama Princípio da Economia ou Navalha de Ockham, creditado a William de Ockham (1280?-1349). De acordo com este princípio, "não se deve multiplicar entidades desnecessariamente", quer dizer, entre duas explicações para um fato, devemos preferir a mais simples, a mais econômica, a que necessite de menos elementos. Kardec, o bom-senso encarnado, disse o mesmo ao recomendar que se excluíssem todas as causas materiais antes de atribuir uma causa espiritual ou mediúnica a um determinado evento.
Na obra “O que é o Espiritismo?”, Allan Kardec dialoga com um padre e um cético e sua argumentação convincente continua valendo nos dias atuais. Vejamos algumas de suas falas que responderiam aos incrédulos da atualidade:

“Uma coisa é estar convencido e outra é estar disposto a convencer-se; é aos desta última classe que me dirijo, e não aos que julgam humilhação vir escutar o que eles chamam de ilusões. Com estes não me ocupo absolutamente.”
A atitude do cientista sincero, assim como a da ciência, não pode ser preconceituosa. Como confiar numa ciência que joga com cartas marcadas e que rejeita aprioristicamente uma certa gama de resultados por considerá-los impossíveis?

“A convicção só se adquire com o tempo, por meio de uma série de observações feitas com cuidado todo particular.”
O que se observa em alguns céticos é a precipitação em contra-argumentar, o que resulta numa contra-argumentação superficial e falha, que só poderia convencer pessoas sem nenhum ou com pouquíssimo conhecimento dos postulados espíritas.

“Os fenômenos espíritas diferem essencialmente dos das ciências exatas: não se produzem à vontade; é preciso que os colhamos de passagem; é observando muito e por muito tempo que se descobre provas que escapam à primeira vista, sobretudo, quando não se está familiarizado com as condições em que se pode encontrá-las, e ainda mais quando se vem com espírito prevenido.”
A falta de cuidado na observação e a falta de conhecimentos das peculiaridades da fenomenologia espírita fazem com que os estudiosos queiram aplicar métodos da ciência material para questões de natureza espiritual. Assim, não é de estranhar que nada encontrem ou que não se convençam com a pobreza dos resultados que obtém.

“As provas abundam para o observador assíduo e refletido. Uma palavra, um fato aparentemente insignificante, é para ele um raio de luz, uma confirmação; ao passo que tais fatos não têm sentido para quem os observa superficialmente ou por simples curiosidade...”
O observador meticuloso, que se aprofundasse nas inúmeras questões envolvidas no processo das comunicações mediúnicas e dos fenômenos anímicos que o Espiritismo estuda e comprova, saberia onde encontrar os verdadeiros elementos de convicção, se os buscasse com sincero desejo de aprender.

“Por ser uma coisa suscetível de imitação, segue-se que ela não exista?”
Será que pelo fato de existirem fotos e filmes forjados, devemos pensar que não há fotos e filmes legítimos? Será que pelo fato de haver pessoas que simulam a mediunidade, não há médiuns de verdade? Este é um raciocínio infantil, como aquele que dissesse que, como existem pedras de zircônia que brilham como diamantes, então os diamantes não existem...
Não se pode derrubar um conceito como a mediunidade baseado na possibilidade dos fenômenos mediúnicos serem imitados, mas somente se provarmos a impossibilidade lógica e científica da existência e da comunicabilidade dos espíritos desencarnados.

Kardec, em O que é o Espiritismo?, também nos deixa a seguinte recomendação:

“A quem deseja instruir-se, direi: ‘Não se pode fazer um curso de Espiritismo experimental como se faz um de Física ou de Química atento que nunca se é senhor de produzir os fenômenos espíritas à vontade, e que as inteligências desses agentes fazem, muitas vezes, frustrarem-se todas as nossas previsões. (...)
Instruí-vos primeiramente pela teoria, lede e meditai sobre as obras que tratam dessa ciência; nelas aprendereis os princípios, encontrareis a descrição de todos os fenômenos, compreendereis a possibilidade deles pelas explicação que elas vos darão, e, pela narrativa de grande número de fatos espontâneos de que pudestes ser testemunha sem os compreender, mas que vos voltarão à memória, vós vos fortificareis contra todas as dificuldades que possam surgir e formareis, desse modo, uma primeira convicção moral.
Então, quando se vos apresentar a ocasião de observar ou operar pessoalmente, compreendereis, qualquer que seja a ordem em que os fatos se mostrem, porque nada vereis de estranho.’”


Segundo o educador Jiddu Krishnamurti, citado por Pedro J. Bondaczuk em seu artigo Sabedoria e Ceticismo, "ceticismo não é cinismo ou negação sistemática, é o estado da mente que não concorda depressa, que não aceita logo ou toma as coisas como resolvidas. A mente que aceita logo não está buscando a sabedoria, mas simplesmente refúgio".


Incrédulos por sistema

“Eu faço grande distinção entre o incrédulo por ignorância e o incrédulo por sistema; quando descubro alguém com disposições favoráveis, nada me custa esclarecê-lo; há, porém, pessoas em quem a vontade de instruir-se não é senão aparente; com estas perde-se o tempo; porque se elas não encontram logo o que parecem buscar, e que talvez as incomodasse, se aparecesse, o pouco que vêem não é suficiente para destruir-lhes as prevenções; julgam mal os resultados obtidos e os transformam em objetos de zombaria, pelo que não há utilidade em lhos oferecer.” (Allan Kardec em O que é o Espiritismo?)


Para saber mais:

- O que é o Espiritismo?, de Allan Kardec.
- Ceticismo científico x ceticismo dogmático, artigo de Francisco Saiz, disponível em http://scm2000.sites.uol.com.br/ceticismodogmatico.html;
- Sabedoria e ceticismo, artigo de Pedro J. Bondaczuk, disponível em http://www.planetanews.com/news/2005/10340

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* Este artigo foi publicado originalmente na Edição 29 de Revista Universo Espírita e revisado para esta postagem.