sexta-feira, 2 de julho de 2010

O Espiritismo perante as ciências*

Por Rita Foelker

Ao lado: Retrato de Isaac Newton (1689), por G. Kneller

O Espiritismo, em nossa sociedade, costuma ser associado a comunicações com Espíritos e também à noção de crença religiosa. Os aspectos filosófico e científico da Doutrina, explicitados por Kardec em suas obras, pouco são lembrados.
A falta de atenção a eles por muitas instituições, que também privilegiam uma visão religiosa da Doutrina, contribui para torná-los bastante incompreendidos, não só pelas pessoas que desconhecem ou, até mesmo, combatem as idéias espíritas, como pelos próprios adeptos. E, em parte por causa disso, o Espiritismo ainda encontra uma grande resistência para ser aceito, especialmente como ciência.
Cabem aqui algumas observações sobre o que comumente se entende por ciência e nos equívocos dessa concepção, que conduzem a uma percepção ilusória do significado dos dados da ciência “oficial” e a considerar-se o Espiritismo como não-científico. Quando falamos em ciência “oficial”, referimo-nos àquela que domina os meios acadêmicos, de cunho materialista, e não à ciência espírita.
O primeiro equívoco reside na idéia muito difundida de que a ciência sempre parte da observação de fenômenos ou estados de coisas. As teorias seriam elaboradas a partir de um grande número de observações ou experimentos, sob ampla variedade de condições. E, assim, todo o conhecimento apontado como científico teria sido experimentalmente comprovado e gozaria de inquestionável autoridade.
O problema aqui surge ao assumir-se que um evento que se repete uma grande quantidade de vezes ocorrerá todas as vezes que as mesmas condições se repetirem, sem exceções. Tal conclusão não é logicamente válida. Algo diferente sempre pode ocorrer, num futuro próximo ou distante, desmentindo uma afirmação amplamente aceita no meio científico.
Isso significa entre outras coisas que, ao contrário do que comumente se pensa, chamar algo de “científico” não equivale a dizer que é “verdadeiro”. Pode-se dizer que científico é tudo aquilo que se encaixa em certos padrões metodológicos admitidos pela comunidade científica, embora não reflita necessariamente a verdade última sobre o assunto.
Além disso, no tocante à observação, ocorre que muito do que a ciência estuda hoje em dia nunca foi realmente observado e resulta de elaborações puramente teóricas. É o caso do Princípio da Inércia**, cujas condições ideais de funcionamento jamais poderiam ser reproduzidas num experimento e, no entanto, permanece irrefutável desde Isaac Newton até nossos dias.
O segundo equívoco da visão mais popularizada da ciência diz respeito à confiabilidade e à objetividade absolutas das teorias científicas, baseadas na observação.
A confiabilidade absoluta na observação foi parcialmente desqualificada como fundamento seguro para o conhecimento científico, no parágrafo acima.
Quanto à objetividade, que significaria ausência das condições particulares e subjetivas do cientista do processo da pesquisa e elaboração da ciência, é também utópica. A formação, as crenças e valores do cientista influenciam, sim, sua observação e sua interpretação dos fatos. Uma amostra disso é o debate, bastante acirrado, há alguns anos, nos Estados Unidos, entre cientistas ateus ou céticos e seus colegas creacionistas. Ambos os grupos defendem diferentes histórias para a origem e o destino do Universo, cada qual com suas explicações e justificativas “científicas” próprias***.
A atividade científica nunca é isenta de pressupostos e, tampouco, o cientista está apto a conhecer e avaliar os fatos sem pré-julgamentos ou pré-conceitos. De fato, quando o cientista observa um fato, ele já traz expectativas que podem se confirmar ou não.
Da mesma forma, aquilo que ele observa será interpretado dentro de um quadro conceitual previamente estabelecido, dentro de uma forma de pensar a realidade.
Logo, as posições de diferentes cientistas sobre um determinado assunto podem divergir e efetivamente divergem, sendo muitas vezes difícil decidir por uma delas em detrimento da outra. Isso se torna ainda mais evidente quando analisamos o terceiro equívoco, que é crer que ocorre na ciência um progresso cumulativo, isto é, que os novos conhecimentos se somam aos anteriores e são sempre compatíveis com eles. De fato, as descobertas científicas apontam para diferentes dados e informações, nem sempre convergentes para uma única visão de realidade. O que ocorre então é uma escolha, por parte da comunidade científica, baseada em critérios diversos. A teoria escolhida será, então, uma entre pelo menos duas possíveis.
Há ainda um dado importante acerca da abordagem que a ciência faz de seus objetos de pesquisa. É inevitável que os objetos percebidos, ao se tornarem alvo da pesquisa científica, sofram uma simplificação ou redução aos seus aspectos apreciáveis dentro do método utilizado. Com isso, parte importante das propriedades sensíveis e das particularidades dos fenômenos acaba sendo desprezada em favor de uma esquematização e da tabulação de dados passíveis de serem apreendidos pelo estudo em curso. O que o cientista aprecia em seu trabalho, portanto, não é a realidade em si, mas um recorte da realidade.
Por isso, embora a ciência “oficial” tenha como propósito alcançar uma compreensão cada vez mais verossímil dos fatos, e embora os cientistas cumpram seu papel com seriedade e dedicação, muita coisa continua fora de seu campo de observação.
Seja por impossibilidade de enxergar aquilo que é ainda incapaz de conceber como plausível, seja por opção de uma maioria de cientistas, seja por não se encaixarem nos métodos e regras utilizados no presente, os fenômenos anímicos e mediúnicos, o Espírito e a imortalidade, continuam invisíveis para a ciência dita oficial. E isso não se dá porque tais fenômenos e a realidade espiritual não existam ou não sejam passíveis de comprovação e análise. Aliás, tais comprovações e análises já são realizadas nos parâmetros da ciência espírita, a qual tem seus próprios valores, regras e métodos apropriados à investigação do Espírito e suas implicações.

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* Este texto foi publicado originalmente no site da Fundação Espírita André Luiz, em 26/12/2006.

** Princípio da Inércia, postulado por Isaac Newton, diz que um corpo tende a manter-se imóvel ou em movimento uniforme, desde que nenhuma força atue sobre ele. Como não existe lugar no Universo absolutamente livre da ação de alguma força, a verificação experimental deste fato continua impossível.

*** Falaremos disso num outro momento.

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