segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Orientações


Por Gilberto (Esp.)/Rita Foelker

Os Espíritos trabalhadores das reuniões mediúnicas não se furtam a oferecer orientações para os procedimentos da reunião, a condução dos estudos e a melhoria individual dos médiuns e demais participantes.

O que diz respeito aos trabalhos e estudos da equipe pode ser objeto de consultas ou perguntas, que serão respondidas conforme seja avaliada sua necessidade e oportunidade.

Afinal, muito do que se pergunta poderia ser respondido pelos próprios encarnados, com um pouco de atividade mental e troca de ideias.

Tais orientações, apenas excepcionalmente, atendem a uma necessidade particular de um membro da equipe. Quando nos é permitido, temos prazer em dialogar sobre assuntos pessoais em que se busque clareza e lucidez, no entanto, isto será feito de maneira breve e objetiva, sem interferir nas finalidades principais da reunião. É comum que, no estado de relaxamento e concentração que precede as comunicações, ou mesmo durante os trabalhos, a criatura em dificuldades receba intuições ou uma breve mensagem psicografada, como contribuição amorosa de um Espírito amigo ao encaminhamento do seu caso específico.

Agora: a mídia vem acostumando as pessoas a serem consumidoras de informações, lendo e ouvindo muito rapidamente, porém refletindo pouco. Isto as habitua a desejarem sempre ouvir mais, sem que necessariamente se tenha aprofundado e refletido sobre o teor do que foi falado.

As orientações dos Espíritos, ao contrário, não ocorrem tão amiúde, em geral, porque para compreendê-las em sua profundidade e alcance, é preciso voltar a elas, reler, dialogar a respeito, comparar as interpretações que cada um fez. É preciso, sobretudo, colocar em prática uma lição e experimentá-la, antes de se passar à seguinte.

Nesses moldes, o relacionamento entre o grupo encarnado e o desencarnado dará bons frutos e a evolução individual e da equipe será sentida por todos.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Onde fica o mundo espiritual?*


Por Rita Foelker

Kant foi um filósofo que muito se esforçou para compreender a condição de possibilidade da experiência e, assim, do conhecimento. Em sua vasta obra escrita, alguns aspectos ficaram conhecidos e dentre eles destacam-se as formas puras da intuição. Segundo ele, o conteúdo da experiência (cores, cheiros, sons etc.) na qual estamos mergulhados somente pode ser conhecido e adquire algum sentido quando é visto com referência ao espaço e ao tempo, que são as formas puras da intuição. É impossível, diz Kant, conhecer os objetos externos sem que estejam ordenados em uma forma espacial, assim como nossa percepção interna desses mesmos objetos não é possível sem uma forma temporal. Isto é o que se depreende da leitura de sua “Estética Transcendental”. As formas puras da intuição são a priori, ou seja, elas antecedem a experiência para ordená-la.
É inegável que nossa maneira de pensar habitual transita no âmbito destas formas puras da intuição. E mesmo ao pensar realidades que não são experimentadas no espaço e no tempo por nós, como os átomos, os buracos negros, o mundo espiritual ou as experiências de quase morte (EQM), nossa tendência é partir das noções de espaço e tempo e simplesmente aplicar estas formas da intuição até o infinito – imaginando-se o infinito como uma extensão imensurável de espaço e, também, a eternidade como uma duração sem fim.
O modelo atômico de Rutherford-Bohr, por exemplo, do início do século XX, lembrava um pequeno sistema planetário. Era como se, ao nos tornarmos suficientemente minúsculos, pudéssemos viajar no “interior” de um átomo. Numerosas EQM são relatadas como passagens “através de túneis”. E é difícil pensar-se num buraco negro sem pensar em “coisas” sendo sugadas para “dentro” dele.
Mas até que ponto essas aproximações conceituais são legítimas?

Limites das ideias de tempo e espaço

Alguns conceitos da chamada física clássica estão presentes nesta forma de ordenar a experiência: a independência completa da estrutura espaço-temporal em relação à matéria, a independência completa entre o sujeito observador e o objeto observado. Assim, referimo-nos ao átomo, à morte e aos buracos negros como se fossem locais pelos quais o “eu” pudesse excursionar, usando referências como “em cima”, “embaixo”, “dentro”, “fora”, entre outras similares. Parece que sempre se pode usar a física de Newton nestas instâncias. (Para Kant, a propósito, a Física newtoniana era o próprio paradigma de ciência, e ela nos oferece a uma imagem do mundo que parte de nossas experiências cotidianas e nelas se baseia para referir-se aos fatos.)
Não obstante, os avanços da física moderna e a teoria da relatividade restrita levaram ao abandono da visão clássica (não detalharemos estas mudanças no presente texto). E de tal modo, que olhar para as coisas como dispostas num espaço tridimensional da geometria euclidiana (ver quadro), embora continue ocorrendo implacavelmente em nossa maneira mais comum de lidar com os dados da experiência, torna-se apenas isto: uma maneira de olhar. Um jeito de interpretar os fenômenos, um jeito semelhante à nossa experiência cotidiana, mas que não retrata precisamente a realidade a que se pretende referir, pois não podemos falar de átomos ou de partículas subatômicas como quem fala de bolinhas de gude, nem da EQM como um lugar com latitude e longitude definidas.
A literatura espírita muitas vezes apresenta este “jeito de olhar”, onde se busca falar de vivências no mundo espiritual, ou na mente, ou nos estados de emancipação da alma (sono, sonambulismo, êxtase) como se fossem localizados no espaço e durassem certo tempo. Ocorre, porém, que, citando Heisenberg (em A Ordenação da Realidade), “nossa intuição habitual não é mais competente para esses domínios”. Apenas por analogia, tais conceitos espaço-temporais podem ser usados.
O que fazemos, então, é usar o recurso da imaginação, atribuindo extensão, forma, número e duração aos elementos de uma experiência fora dos padrões cotidianos, a fim de que ela possa ser descrita em palavras e compreendida por outros.
Talvez alguém se surpreenda pelo fato de que mesmo os espíritos desencarnados podem manter-se vinculados às formas do espaço e do tempo, referindo-se à sua própria condição como se estivessem habitando determinado local que chamam de “céu” ou “inferno”. É que o desencarne não significa descondicionamento de certas formas de pensar. Segundo O Livro dos Espíritos, questão 966: “Muitíssimo incompleta é a vossa linguagem, para exprimir o que está fora de vós. Teve-se então que recorrer a comparações e tomaste como realidade as imagens e figuras que serviram para essas comparações. À medida, porém, que o homem se instrui, melhor vai compreendendo o que a sua linguagem não pode exprimir.”
Ressalve-se que alguns lugares, como cidades e hospitais, são mantidos no mundo espiritual com o objetivo de acolher os seres recém-chegados do plano terreno, a fim de recebê-los, oferecer cuidados e orientação. Esta necessidade, porém, é passageira, e deixa de existir conforme o espírito se integra em sua nova situação.
O que se pode dizer, acerca da pergunta-título, é que esta questão provavelmente não faz nenhum sentido. A palavra “onde” pouco ou nada nos pode revelar sobre a realidade espiritual que está além de nossas percepções habituais e que não pode ser descrita em termos de extensão ou duração.



"Euclides estava de fato agindo como um físico, usando sua experiência de vida no fraco campo gravitacional da Alexandria helenística para criar uma teoria de espaços não-curvos. Ele não sabia quão limitada e acidental era sua geometria." (S. Weinberg, em Sonhos de uma teoria final)



Como expressar noções e percepções abstratas da realidade espiritual?

Escritores e artistas tentaram expressar conceitos da vida espiritual e as leis universais por escrito e, mesmo, graficmente.
Robert Fludd (1574-1637), um filósofo, artista e famoso ocultista inglês do século XVI tentou transmitir conhecimentos metafísicos na forma de desenhos. Em De Monochordum Mundi (1623), Fludd compara o Universo com um monocórdio (instrumento musical duma só corda) e, desse modo, consegue expor ideias de uma harmonia matemática e musical presente na Criação, provavelmente baseado na ideia pitagórica da “música das esferas”, em que cada corpo celeste vibraria uma nota musical. O que Fludd pretendia transmitir era a ideia de que todo o universo reproduz uma música inaudível e harmoniosa que reflete a inteligência e a unidade da criação.
Temos outros exemplos figurativos a alimentar nossa imaginação: as ilustrações de Gustave Doré, no século XIX, para a Bíblia, e as visões de Johfra Bosschart, artista holandês contemporâneo, com ampla utilização de símbolos, criando visões fantásticas parecendo dispostas num espaço tridimensional.

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*Texto publicado originalmente o site da FEAL, em 15/09/2011.

sábado, 3 de setembro de 2011

Werner Heisenberg e o fim da ciência materialista

Por Rita Foelker – Texto Inédito

Werner Heisenberg (1901-1976) foi um cientista que valorizava a filosofia, interessava-se em refletir sobre a condição humana e nos deixou muitos textos filosóficos. Ele criticou a ciência materialista, tinha uma concepção própria da origem da ontologia materialista que predominou nas ciências posteriores a Descartes e entendia que este predomínio tinha relevantes consequências éticas e sociais.

Para adentrar alguns aspectos do pensamento do físico alemão, precisamos entender inicialmente em que consiste o materialismo que ele critica.

Para entender-se mais exatamente do que trata o materialismo, recorremos à abordagem sinótica de Oswaldo Pessoa Júnior (2006), que resume as teses do materialismo em dois grupos: as nucleares – definidoras do materialismo – e as periféricas, cuja negação pode ser consistente com ele. As teses definidoras do materialismo, para o autor, são:

  • A natureza segue seu curso conforme leis científicas nas quais, caso exista um Deus, ele não interfere.
  • Podemos nos referir à natureza como uma realidade independente da perspectiva do observador.
  • Nada existe fora ou independente da matéria, mente e alma são fenômenos explicáveis pelas leis da matéria.
  • Não existem desígnios ou causas finais, expressos nas leis da natureza.

Pensamento de Heisenberg

Ao ler os escritos de Heisenberg, verificamos seu entendimento de que a ciência não tinha estas características na Antiguidade e Idade Média. A natureza então era tida como uma criação divina e esta característica lhe era inseparável, o que se depreende das filosofias de Platão e Aristóteles.

A matematização das leis da natureza, contudo, que se inicia na Renascença com Galileu Galilei, tornaria possível pensar que se pode compreender o mundo sem necessitar de uma divindade, mas por meio das leis nela inscritas, que os homens desvendam. No século XVII, Descartes instituiria pela primeira vez na filosofia a cisão tripartite da realidade - entre o eu, o mundo e Deus –, num exercício de racionalidade que se pode acompanhar em suas Meditações Metafísicas. Seguindo os passos de sua argumentação, chega-se a uma conclusão cujo efeito é o sujeito e o objeto se apartarem um do outro, o pensamento de um lado, a coisa do outro, sendo atributo do pensamento compreender a coisa que é totalmente distinta dele. E ambos distanciarem-se de Deus.

A física clássica, a partir de Newton*, consubstanciaria a realização desse projeto: apresentaria um tipo de conhecimento eminentemente objetivo, da mente sobrepairando a matéria e podendo conhecê-la e manipulá-la, criando uma descrição do comportamento da matéria no espaço e tempo como uma entidade separada da mente e de Deus.

Os avanços da ciência no século XIX, contudo, mostrariam as dificuldades enfrentadas por esse modelo de ciência. O quantum de ação de Planck, a teoria do campo de Faraday, o experimento com a radiação do corpo negro de Maxwell, por exemplo, apresentariam resultados perturbadores dessa visão mecanicista-materialista. E a crise da física clássica se aprofundaria ainda mais após a publicação dos artigos de Einstein entre 1900 e 1905.

Para Heisenberg, os efeitos de tal crise ultrapassariam as fronteiras da ciência e colocariam em pauta o próprio conceito de realidade em que acreditamos.

Realidade

Diferente da física newtoniana, a física atômica e quântica apresentam conclusões contra-intuitivas: não obedecem à linearidade do tempo, inserem o observador no experimento, dissolvem a matéria em elementos ínfimos que não se parecem em nada com a matéria macroscópica de nossas experiências cotidianas.

Quanto ao papel do observador nos experimentos, a relação entre sujeito e objeto implícita na física clássica era caracterizada pela total autonomia. Podia-se falar de átomos como coisas, como pequeninos objetos independentes em relação ao pesquisador. Os avanços da física moderna impossibilitaram esta compreensão da natureza, na medida em que não foi mais possível descrever o mundo sem referência ao homem, pois não mais se podia falar de um objeto observado do observador.

“Pouco a pouco, se foi modificando o significado da palavra [natureza] como objeto de pesquisa da ciência” (HEISENBERG, s.d., p.10). A ciência deixou de tratar da natureza, para tratar de nosso conhecimento da natureza.

As partículas mais diminutas se tornaram expressões meramente simbólicas, deduzidas matematicamente.

Como assimilar essas transformações?

A resposta a tantas transformações, segundo Heisenberg, seria repensar o conceito de ciência, abandonando o materialismo que a condicionava anteriormente e admitindo os limites da investigação científica.

Nesta nova perspectiva, a ciência não mais pode ser entendida como o único conhecimento possível da natureza. Nem a natureza pode ainda ser entendida como um conjunto de coisas.

A ciência é possível onde há certo grau de objetividade a ser alcançado. Quanto mais um determinado conhecimento está relacionado ao sujeito, menos a ciência pode se pronunciar sobre ele. Desse modo, há parcelas da natureza não alcançáveis pelo conhecimento científico.

A ciência não mais fala o que é a natureza – e nem poderia – ela não emite a última palavra sobre seu funcionamento como algo independente do modo como nos relacionamos com ela.

Heisenberg afirmará, em vista disso, que a ciência precisa ser vista como um elo da “cadeia infinita de contatos” que o homem estabelece entre si mesmo e a natureza.

Ao buscar a objetividade, escolher um centro de interesse e definir variáveis, a ciência de certo modo nos distancia da natureza em sua totalidade. Mas é ela também um meio de reconhecimento do papel do ser humano nessa rede de conexões que constitui a realidade.

A matemática

Ao fazer ciência, descobrir regularidades e traduzir conceitos em linguagem matemática (simbólica), o ser humano gera um grau de compreensão da realidade, segundo seu alcance intelectual. Para Heisenberg “a matemática é [...] a linguagem em que os problemas podem ser postos e resolvidos” (s.d., p57).

Ele afirmaria, também: “Se a natureza nos conduz a formas matemáticas de grande simplicidade e beleza [...], não podemos evitar pensar que elas sejam “verdadeiras”, que revelem um aspecto genuíno da natureza. Pode ocorrer que essas formas também abranjam nossa relação subjetiva com a natureza, ou seja, reflitam elementos de nossa economia do pensamento. Mas o simples fato [...] de nunca termos podido chegar a estas formas por nós mesmos, de elas nos serem reveladas pela natureza, é uma forte sugestão de que elas devem fazer parte da própria realidade, e não apenas de nossos pensamentos sobre a realidade” (HEISENBERG, 1971, p.68, tradução minha).

Heisenberg, assim, propõe que a natureza contém formas belas e simples que se traduzem matematicamente. Estas formas levam ao reconhecimento de uma ordem subjacente, inalcançável pela ciência, que Heisenberg denominaria em diversos escritos como “ordem central”. Segundo ele, “sempre houve um caminho para a ordem central na linguagem da música, na filosofia e na religião” (HEISENBERG, 1971, p.11, tradução minha).

“Ordem central”

O físico alemão afirma: “Nas diversas filosofias e religiões, vários nomes foram dados à bússola: felicidade, vontade de Deus, sentido da vida, para mencionar apenas uns poucos. [...] Tenho a clara impressão que tais formulações procuram expressar a relação do homem com uma ordem central. Todos sabemos que nossa própria realidade depende da estrutura da nossa consciência; não podemos objetivar mais que uma pequena parcela de nosso mundo. Porém, mesmo quando tentamos investigar o domínio subjetivo, não podemos ignorar a ordem central” (id., 1971, p. 214, tradução minha).

Ainda sobre o papel desta ordem, lê-se em Physics and Beyond..., que: “As condições geológicas e climáticas especiais vigentes no nosso planeta conduziram ao surgimento de uma química complexa do carbono, com moléculas gigantescas nas quais informação pode ser armazenada. O ácido nucléico mostrou-se um reservatório apropriado de informações sobre a estrutura dos seres vivos. Com ele, uma decisão única foi tomada e foi estabelecida uma forma que determinou todos os processos biológicos posteriores. [...] Nossas partículas elementares são comparáveis aos sólidos regulares do Timeu de Platão. São os modelos originais, as ideias da matéria. O ácido nucléico é a ideia do ser vivo. Tais modelos determinam todos os desenvolvimentos subsequentes. Eles são representativos da ordem central” (1971, p.240-241, tradução minha).

Retomando as teses definidoras do materialismo, percebemos a lógica de Heisenberg para destruí-las:

Há, portanto, uma ordem central subjacente a todos os fenômenos que integram a vida humana, ordem que revela regularidade, unidade, simplicidade e beleza das estruturas presentes na natureza. As leis científicas resultam de uma decisão, uma intenção inteligente, segundo Heisenberg, o que torna possível pensar-se num Criador, embora o físico alemão não admita isso abertamente.

A descrição da natureza não pode ser feita de sem levar-se em conta a perspectiva do observador, o que solapa a tese de um mundo externo totalmente independente.

Não existe apenas matéria. Há algo além da matéria no Universo, que pode ser traduzido como “ordem central” e é percebido em forma de relações matemáticas, beleza e simplicidade. A ocorrência de tais decisões torna possível pensar-se em causas além das meramente eficientes. Em uma teleologia ou finalidade para essas leis.

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*Newton, pessoalmente, não pensava deste modo, e entrever Deus por meio das leis do Universo é uma das características presentes em suas obras, especialmente a Optica.

PESSOA JÚNIOR, O. O dogmatismo científico de tradição materialista. In: Estudos de História e Filosofia das Ciências: subsídios para aplicação no ensino. São Paulo: Livraria da Física, 2006. p.41-57.

HEISENBERG, W. Physics and beyond: encounters and conversations. Londres: Allen & Unwin, 1971.______. Física e filosofia. Tradução Jorge Leal Ferreira. Brasília: UnB, 1981.

______. A imagem da Natureza na Física Moderna. Tradução J. I. Mexia de Brito. Lisboa: Livros do Brasil, s.d.

Imagens: Fractal Food, Who was Werner Heisenberg?