sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Dez lembretes essenciais para o vivente


"Clareira do sonho", por Simon Haiduk

Por Aymará (Esp.) / Rita Foelker


1. Nós somos os primeiros responsáveis por nós mesmos.

2. Tudo é sobre energia e foco.

3. Energia é qualidade; foco é intensidade.

4. Energia é como; foco é quanto.

5. Energia cria movimento.

6. Movimentos giram em círculos, retornando à origem.

7. Você pode mover a energia com ou sem uma intenção consciente.

8. É a intenção que qualifica a energia.

9. Quanto mais pura a intenção, melhor o movimento.

10. A intenção é livremente escolhida.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Santa Terra

Paulette B. (Esp.) / Rita Foelker


Um fato significativo revela algo sobre a nossa Humanidade.

Bem aquela que chamamos de Terra Santa por se considerar o berço do menino Jesus, passados os milênios, ainda persiste estéril e alvo de conflitos seculares.

A esterilidade do solo arenoso poderia ser solucionada com algum conhecimento tecnológico e vontade humana, como ocorre em certas áreas isoladas de plantio.


Mas há uma secura mais profunda e grave que nos acomete: a esterilidade do sentimento, a ausência de compaixão e entendimento.


Então, a Terra Santa é hoje um lugar semeado de ruínas e regado a sangue, desde muito tempo, citando apenas como referência as Cruzadas, deflagradas por alegadas razões cristãs. E nossas almas são lugares de miséria e lamentação, de reivindicação de pretensos direitos e exclamações de revolta.


Não nos escudemos por detrás da desculpa da justiça divina, do livre-arbítrio ou da “lei do carma” – como quer que você queira chamar. O fato é que a justiça só impera como retorno. Ela nos retribuiria, se lhe oferecêssemos presentes, joias – e nos retribuirá sempre que o fizermos – mas no momento oferecemos-lhe, com mais frequência, os frutos do orgulho sobre o altar da ignorância.


A semente da mensagem cristã, contudo, aguarda a estação propícia. Ela vive e brilha sob o solo das ilusões humanas e, uma vez removidas estas, ela germinará. Então, se desejar que o Cristo venha renascer, por meio de sua mensagem, abra mão da grossa camada de ilusões que ainda a recobre.


Relembre a parábola do semeador, viva segundo sua luminosa sabedoria, e verá uma Terra verdadeiramente Santa de vida, entendimento e compaixão a desabrocharem.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A ética e a medicina dos espíritos*

As curas mediúnicas precisam respeitar certos princípios

Por Rita Foelker

A medicina terrena é uma ciência admirável, porém limitada por seus meios, instrumentos e por sua ontologia, isto é, o conjunto de entidades que ela admite que existam. Isso limita sua possibilidade de atuar eficazmente numa série de situações onde as causas estão entre as entidades não admitidas, onde seus instrumentos não podem detectar algumas particularidades e onde a química, a cirurgia e outros procedimentos materiais não alcançam resultados. São situações em que se lida com causas emocionais, “vibracionais”, ou então com enfermidades cujas origens remontam a outras existências e/ou se devem à influência de espíritos, só pra citar alguns exemplos.
Nesse “gap”, aberto por sua incapacidade de explicar certos sintomas e apontar-lhes a cura, encontraremos as terapias alternativas e aquela que podemos chamar de “medicina dos espíritos”, que procedem de maneiras diversas: secundando a ação magnética dos médiuns, no momento do passe, receitando ou mesmo fazendo cirurgias, com ou sem cortes.
A situação do médium curador é bastante distinta do médico, no que diz respeito à ética. Se o conhecimento da doença que acomete o paciente, assim como a solução apontada para o caso, não provém do médium, mas do espírito que se manifesta por seu intermédio, não é ético que ele estabeleça um preço para o tratamento ou, até mesmo, venha a lucrar pelo uso de uma faculdade que possui tão somente para tornar possível ao verdadeiro médico realizar a cura – se ela puder ser obtida, dependendo do caso. Mas não é só isso...

O aspecto ético das curas mediúnicas

Do ponto de vista extrafísico, pode-se considerar a doença física apenas como uma manifestação sensível de uma condição invisível, não percebida pela pessoa em sua origem espiritual, psicológica ou emocional, algumas vezes desencadeada por um agente externo que apenas expõe o que estava oculto. Samuel Hahnemann (1775-1843), criador da homeopatia, chamou de miasmas a estes focos que predispõem a doenças.
Em geral, as pessoas que buscam cura por algum meio, incluindo-se aqueles que médiuns curadores propiciam, encontram-se emocionalmente fragilizadas, algumas vezes, desesperadas até, e com o discernimento comprometido pela condição vivenciada. Elas podem estar dispostas a pagar qualquer preço, submeterem-se a qualquer procedimento, por uma chance de alívio ou de solução para o problema que enfrentam. Contudo, a lição do Mestre Nazareno é explícita, e lemos em O evangelho segundo o espiritismo: “‘Dai de graça o que de graça recebestes’, disse Jesus aos seus discípulos, e por esse preceito estabelece que não se deve cobrar aquilo por que nada se pagou. (...) Esse dom lhe fora dado gratuitamente por Deus, para alívio dos que sofrem e para ajudar a propagação da fé. Ele lhes diz que não o transformem em objeto de comércio ou de especulação, nem em meio de vida”.
A par da questão monetária, o médium nesses casos encontra-se numa posição bastante delicada, da qual precisa estar cônscio, para não cometer deslizes:
– perante os espíritos, porque a cura não depende de si próprio, mas deles, em sintonia com as leis divinas;
– perante os encarnados, porque não há garantia de cura, visto que a possibilidade de melhora está relacionada à necessidade e ao merecimento de cada pessoa, acrescida de seu estado atual, da sua receptividade ao tratamento, entre muitos fatores.
Fica assim notório que o resultado depende menos do médium curador e, mais, do cumprimento das leis de Deus e da situação específica do enfermo, incluindo sua fé, sua vontade de modificar aqueles “hábitos que adoecem”, seu estado de prontidão para a nova condição de vida e a nova fase de aprendizados, uma vez cessada a convivência com o problema. Nada disso está sob o controle do medianeiro.
Por isso, a humildade, o sincero intuito de servir e o desapego quanto aos resultados, são itens indispensáveis ao bom exercício desta faculdade mediúnica tão peculiar.
Hoje em dia, nessa cultura das pílulas que visam cessar apenas com sintomas, contendo substâncias que nos ajudam a conviver com as nossas misérias e doenças, em lugar de tratá-las, é importante que haja os tratamentos ditos “alternativos”, bem como o acesso às curas mediúnicas. Embora possamos necessitar de um analgésico ou antialérgico, às vezes, trata-se de medida temporária, só para nos sentirmos melhor e encarar o maior desafio, que é ter uma vida mais saudável, mais sincera, mais intensa e mais afetuosa – mais saudável!
A mediunidade curativa pode ser muito eficiente e colaborar para a cura ou melhoria da qualidade de vida de muitas pessoas. Contudo, ela não se presta à obtenção de ganhos pessoais de nenhum tipo, incluindo aqueles que alimentam as vaidades humanas.

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* Este texto foi publicado no jornal Leitura Espírita, Edição 09 - Dezembro de 2012.


quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Cultivando um novo olhar para uma nova ordem de conhecimentos

Por Rita Foelker - Texto inédito

Cena do Bhagavad Gitã, com Krishna e Arjuna.
Os livros vêm guardando, há séculos, as bases das mais diversas doutrinas e religiões no mundo todo. Temos assim o Bhagavad gitã, para os hindus; o Corão, para os muçulmanos; a Bíblia para católicos e protestantes; a Torá para os judeus; a Codificação para os espíritas, apenas para citar alguns dos mais conhecidos entre nós.
Esses livros adquiriram grande importância cultural e histórica, como fontes de conhecimento destinado aos seres humanos que buscam aproximar-se de Deus e pautar sua conduta por ideais elevados de vida, no âmbito pessoal, familiar e social. Sua influência nos costumes de cada povo é inquestionável.
Uma base doutrinal ou filosófica reunida especialmente em livros supõe uma comunidade de adeptos ou seguidores aptos a lerem e a compreenderem o que leem.
Ler, por sua vez, é muito mais que decodificar símbolos gráficos e visualizar palavras. Ler é um processo que envolve compreensão de significados e percepção de sentidos do texto; recurso a conteúdos gravados na memória, libertação de muitos preconceitos, tudo isso para assimilação do conteúdo da forma  mais límpida e pura possível.
Nós, contudo, raramente nos lembramos de tudo isso. Ao depor nosso olhar sobre uma frase, carregamos este olhar com estilos de pensar e crenças preexistentes, com nossos preconceitos e gostos pessoais, com nossas noções rígidas de certo e errado que contaminam a leitura, comprometendo a compreensão do trecho lido.
Assim é que, hoje, ao ler as obras de Kardec, a fim de atingir um bom grau de entendimento das ideias e conceitos ali presentes, precisamos nos libertar de formas de pensar trazidas de meios de onde viemos e de textos anteriormente lidos.

Um exemplo

A Torá, o livro sagrado dos judeus
A ideia de uma punição após a morte física, reservada aos seguidores que não cumprem certos preceitos de comportamento e moral, e de recompensa pela conduta adequada, é comum a várias religiões.
Mas, e quanto aos livros de kardec, o que eles dizem? Que a alma, ao desencarnar, irá vivenciar as condições inerentes ao seu grau de evolução e ao estado de consciência moral em que se encontre. E que estas condições íntimas o aproximarão de criaturas afins do plano espiritual e, mesmo, entre os encarnados.
O que existe, portanto, não é um decreto divino de prisão, sofrimento, paz ou felicidade, mas a própria dinâmica das leis divinas que define a situação do espírito desencarnado o qual, acrescente-se, também não é estático, mas condicionado ao arrependimento e à procura da melhoria interior, sempre acessível em qualquer momento da jornada e estágio evolutivo alcançado.
Tudo o que foi dito pressupõe, então, a transformação intima como chave para se entender o sentido das afirmações da doutrina espírita em seus livros básicos, ainda quando a linguagem deste ou daquele espírito fale de penas e recompensas, pois é preciso capturar o sentido dessas expressões dentro do contexto geral do espiritismo e não, como se fosse um texto católico, judaico ou outro.

Logo...

O Corão ou Alcorão é o livro sagrado dos muçulmanos
Quando procuramos conhecer outros pensamentos filosóficos ou religiosos, quando lemos o Gitã ou a Torá, a mesma atitude deveria prevalecer, com abertura de entendimento para significados e sentidos diversos daqueles aos quais o conhecimento espírita nos possa ter habituado. As concordâncias e discordâncias entre visões distintas precisam ser objetivas e, não, forçadas por pontos de vista parciais.
A observação de Kardec nos "Prolegômenos" de O livro dos espíritos, segundo a qual "o estudo de uma doutrina, qual a Doutrina Espírita, que nos lança de súbito numa ordem de coisas tão nova quão grande, só pode ser feito com utilidade por homens sérios, perseverantes, livres de prevenções e animados de firme e sincera vontade de chegar a um resultado", aplica-se a qualquer ordem de conhecimento novo para nós, que desejemos adentrar.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Ser humilde é bem mais fácil *

Love Rooted (2010), por Karmym
Por Rita Foelker

Estava ao mesmo tempo pesquisando para escrever este artigo e agindo por curiosidade pessoal, enquanto procurava relacionar algumas desvantagens do orgulho. Porque se ele é uma espécie de cegueira ou de miopia – O evangelho segundo o espiritismo fala em “catarata” – que distorce as coisas para as quais olhamos e também a nossa própria imagem, é quase certo que o orgulhoso não consiga enxergar claramente as dificuldades que o orgulho lhe acarreta. 

Calunga, o querido amigo espiritual, apresentou algumas. Diz ele: "O orgulho vai fazer você perder totalmente a isenção do discernimento. O orgulho vai impedir de pedir desculpas, mesmo quando lá no fundo você sentir que está errado. E vai fazer você viver como um ser diferente daquele que você é".

Discernimento é um instrumento muito importante para nossa orientação e decisões na vida. O filósofo e escritor indiano Jiddu Krishnamurti em Aos pés do mestre, adverte que ele “deve ser exercido entre o bem e o mal, o importante e o não importante, o útil e o inútil, o verdadeiro e o falso, o egoísta e o desinteressado”. Pense nas mentiras que tomamos por verdades, no mal que consideramos como bem, e pense nas possíveis consequências. Fiquei imaginando as coisas desimportantes que ele nos faz considerar importantes, e o esforço inútil que é despendido em obtê-las, quando poderíamos fazer algo útil (mas falta discernimento!). O jornalista Emile Henry Gauvreay observa com perspicácia que: “Construímos um sistema que nos convence a gastar dinheiro que não temos, para comprar coisas de que não precisamos, para criar impressões que não vão durar em pessoas para quem nem ligamos”. Vê-se que o orgulho, além de nos impedir de discernir, ainda nos faz trabalhar e lutar por objetos e satisfações que se mostram vazias e ilusórias. 

Bom, até aqui falamos de “coisas externas”... 

Mas depois, ao olhar para nós mesmos, segundo Calunga, não apreciaremos ter falhado ou nos termos equivocado, se o orgulho não permitir. Sempre nos daremos razão, porque admitir erros, para o orgulho, equivale a diminuir-se. E como ele, alterando nossa visão, modifica nossa ação segundo o que ele nos permite ver, não conseguiremos ser nós mesmos. 

Mas acontece que "quem tem medo dos erros cometidos é o orgulho tagarelando na sua cabeça. O orgulho não gosta de errar e não gosta de ver que errou. Ele vai se doer todo, se tiver que aceitar a verdade. Já a humildade não dói...", afirma o amigo espiritual. 

O orgulho, além do mais, já provocou outras confusões sérias, de efeitos terríveis. Lemos no capítulo 7 de A gênese, de Kardec, que o orgulho fez com que o ser humano afirmasse terem sido os animais criados por sua causa e para satisfação de suas necessidades. Um equívoco que ainda convence muitas pessoas atualmente. Um pouco de clareza mental, contudo, leva a um raciocínio: o de que o número dos animais que têm alguma serventia para os seres humanos é ínfimo, perante a quantidade daqueles com os quais ele nunca se relacionou nem vai se relacionar. “Como se pode sustentar semelhante tese, em face das inumeráveis espécies que exclusivamente povoaram a Terra por milhares e milhares de séculos, antes que ele aí surgisse, e que afinal desapareceram? Poder-se-á afirmar que elas foram criadas em seu proveito?” 

Bem, continuando com nossa listinha de desvantagens, o orgulho também impede os ganhos da aprendizagem, sendo um fator de manutenção da ignorância. O capítulo 15 também d’A gênese, menciona o orgulho dos fariseus, afirmando que eles consideravam sua inteligência superior à dos demais e não aceitariam uma observação de uma pessoa do povo. Isso nos lembra de uma ideia inteligentemente oposta, a de Cora Coralina, que diz: “O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes”. 

O orgulho também, junto com o egoísmo, pode levar a prejudicar os semelhantes. No capítulo 18 d’A gênese, lê-se: “Enquanto o orgulho e o egoísmo o dominarem, o homem se servirá da sua inteligência e dos seus conhecimentos para satisfazer às suas paixões e aos seus interesses pessoais, razão por que os aplica em aperfeiçoar os meios de prejudicar os seus semelhantes e de os destruir.” 

Passando para outro livro, chegamos a O céu e o inferno, onde textualmente lemos que “o orgulho é o inimigo da felicidade. É dele que promanam todos os males que acometem a Humanidade e a perseguem até nas regiões celestes". Ou seja, além de não deixar discernir, promover a ignorância, prejudicar o próximo e impedir a felicidade, ele ainda acompanha a criatura até a outra vida!!! 

Em O evangelho segundo o espiritismo, capítulo VII, Kardec observa que o orgulho é um ato de revolta contra Deus. Como um dos problemas que acometem nossa visão – falamos de cegueira e miopia –, no mesmo capítulo está escrito que “o orgulho é a catarata que tolda a visão. De que vale apresentar a luz a um cego? Necessário é que, antes, se lhe destrua a causa do mal. Daí vem que, médico hábil, Deus primeiramente corrige o orgulho”. 

O que é um fato, pois decorrente do probleminha de visão, é que desde que “o orgulho se mostra indulgente para com tudo o que o lisonjeia”, ele também não lhe permite observar a falsidade e a hipocrisia, alegrando-se com a lisonja e os falsos elogios. 

“O orgulho é o terrível adversário da humildade.” “O orgulho, eis a fonte de todos os vossos males.” “O orgulho é sempre castigado, cedo ou tarde, pela decepção e pelos malogros que lhe são infligidos.” São outras afirmações pertencentes às obras de Kardec sobre o mesmo tema, que nos deveriam deixar de sobreaviso perante suas investidas. 

E até o momento ainda não eu nada escrevi sobre as ciladas que o orgulho reserva especificamente aos médiuns. O livro dos médiuns inclui os médiuns orgulhosos entre os médiuns imperfeitos (item 196), definindo-os como aqueles que “se envaidecem das comunicações que lhes são dadas; julgam que nada mais têm que aprender no Espiritismo e não tomam para si as lições que recebem frequentemente dos Espíritos. Não se contentam com as faculdades que possuem, querem tê-las todas”. Como variedade desses, considera os médiuns suscetíveis: aqueles que “suscetibilizam-se com as críticas de que sejam objeto suas comunicações; zangam-se com a menor contradição e, se mostram o que obtêm, é para que seja admirado e não para que se lhes dê um parecer. Geralmente, tomam aversão às pessoas que os não aplaudem sem restrições e fogem das reuniões onde não possam impor-se e dominar”. 

Por outro lado, para que as palavras dos espíritos superiores chegue até nós isenta de qualquer alteração, são condições necessárias querer o bem e repelir o orgulho e o egoísmo (item 226). O médium orgulhoso, portanto, dificilmente poderá ser um intermediário confiável de instruções espirituais aos encarnados. 

Bom, talvez já esteja suficiente para uma primeira oportunidade. Não desejamos cansar o leitor, apenas esperamos, com apoio nessas referências citadas, ter colocado o orgulho sob uma luz tão forte, que seja muito difícil evitar enxergar...

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* Texto publicado no site da Fundação Espírita André Luiz em 01/11/12

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Problemas existem, mesmo? *

Por Rita Foelker


Certa vez eu escrevi que a gente filosofa sobre aquilo que não consegue resolver. Quanto mais conheço coisas da filosofia, mais me convenço disso. 

Pode então parecer apropriado – e até mesmo, engraçado – que eu ande pensando justamente sobre os problemas. 

Não, não quis dizer que tenho pensado nos “meus” eventuais problemas. É mais num sentido geral, pensado em problemas como um tópico que afeta a vida humana. Sem a pretensão de resolvê-los. 

Também não pretendo complicar nada, lembrando de Bertrand Russell que escreveu: “O propósito da filosofia é começar por algo tão simples que nem parece valer a pena e terminar com algo tão complexo que ninguém entende.” Isso tornaria meu exercício um verdadeiro desperdício, do ponto de vista prático... 


O caminho 


Tudo começou com um post no Facebook, uma frase atribuída a Wayne Dyer (psicoterapeuta e escritor de livros de autoajuda): “Los problemas son nuestra resistencia a ir a la Fuente.” 

Há, nos meios intelectuais, quem olhe torto para autores de autoajuda. Isso pra mim soa como puro preconceito. Isto posto, então, os problemas segundo Dyer são nossa resistência a ir à Fonte – com “f” maiúsculo. O sentido não me pareceu óbvio, a princípio, e nem tinha o contexto da frase para me ajudar. Mas era um bom ponto de partida para expor o que eu ando pensando ultimamente. Então eu compartilhei e acrescentei: “Taí, eu sempre me perguntei se os problemas tinham existência objetiva, se eram "reais", ou se eram nossas maneiras de ver as coisas... Talvez um dia eu chegue a alguma conclusão... Não tô com pressa - rs.” (Escrevo assim mesmo no Face.) 

Mais adiante, já tendo refletido um pouco mais, escrevi num comentário que “algumas situações da vida pedem respostas de nossa parte. Mas se serão problemáticas ou não... talvez isso dependa mesmo de nós”. 

O ponto que preciso destacar é o seguinte: há coisas nessa vida que acontecem de modo a pedir nossa atenção. Muitas delas chegam com certas características, a ponto de pedirem nossa opinião e/ou nossa ação. É como se fossem estímulos ao exercício de nossas capacidades intelecto-morais, ou meios de avaliação que podemos usar para perceber como estamos no campo das atitudes. Não quero dizer com isso que nos estejam colocando à prova ou testando, pois penso sermos nós próprios que fazemos essa checagem e aproveitamos a oportunidade para reafirmar aquilo que consideramos positivo e mudar o que consideramos negativo. 

Isso, contudo, não precisa ser feito num estado emocional perturbador como irritação, desespero ou apreensão. As situações não precisam automaticamente disparar essas emoções incômodas em nós. Só farão isso se não percebemos que há maneiras diferentes de lidar com elas, sem termos de chamá-las de problemas. 

Quando chamamos uma ocorrência ou situação de 'problema', é como se nos apropriássemos dela e ela passasse a fazer parte de nós, como se fosse “nossa”. E, sendo nossa, nos ocupa... Ao que parece, assumimos a obrigação de nos incomodarmos com um problema que consideramos “nosso”, nós o agarramos e carregamos conosco. 

Algum tempo depois, li, noutro post, um trecho de Khalil Gibran que diz o seguinte: “Seu viver é determinado não tanto pelo que a vida traz para você, como pela atitude com que você leva a vida, não tanto pelo que acontece com você como pela forma como a sua mente olha para o que acontece.” 

E possivelmente não por coincidência, ainda na rede social, li um trecho de Eckhart Tolle (escritor alemão sobre temas da espiritualidade, autor de O poder do agora), onde a ideia também se confirmava: “O problema não são as contas de amanhã. A morte do corpo físico não é um problema. A perda do Agora é que é o problema, ou antes, a ilusão central que transforma uma mera situação, um simples acontecimento ou uma emoção, num problema pessoal e num sofrimento.” 

Continuei refletindo e verificando que um problema tende realmente a vir acompanhado de algum tipo de sofrimento. Mas que não é obrigatório que soframos com as situações, pois podemos responder com outras emoções e outras atitudes ao mesmo estímulo, e que o modo de reagir é livremente escolhido por nós. Contudo, o que determina que teremos essa opção? O maior conhecimento de quem somos e do que estamos fazendo nesse mundo, onde todas as situações visam, em última instância, nosso aprendizado e melhoria espiritual. Isso significa acessar a Fonte da vida ou ignorá-la... Bingo! O círculo se fecha no primeiro de todos os posts. 

E – veja só! – Eckhart Tolle chega a afirmar que nosso nível de consciência se reflete na maneira como lidamos com tais situações, quando escreve: “O melhor indicador do seu nível de consciência é a maneira como lida com os desafios da vida quando eles surgem.” 

A tudo isso, só falta acrescentar a fala de Calunga em Vamos ficar bem (Ed. Gil), quando diz que a gente pega as situações desagradáveis, traz pra gente e “fica cozinhando”. São pensamentos grudentos, segundo o amigo espiritual, e nós somos “grudáveis”, sendo que a única maneira de evitar que isso ocorra é cuidando dos pensamentos... 

Na prática, portanto, aquilo que Dyer, Gibran, Tolle e Calunga dizem confluem para uma mesma conclusão: Se você quer ter problema... o problema é seu! Mas você tem escolha...


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*Texto publicado originalmente no site da Fundação Espírita André Luiz, no mês de setembro de 2012.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Meu credo

Por Rita Foelker

Não quero mais dizer o que sou – cristã, "pagã", espírita, simpatizante do que quer que seja... Não quero me fixar em denominações religiosas ou doutrinárias que, para me definir, apartam as pessoas e fazem com que se olhem de maneira diferente. Com que se sintam estranhas ou me olhem estranhamente.

Sou uma estudiosa do espiritismo, cujas bases filosóficas formam meu entendimento da vida. Estudei um tanto e estou tão convencida da lógica e acerto dessa visão, que às vezes escrevo e faço palestras. Mas não me classifique, porque eu não quero participar de mais uma divisão inventada pelos seres humanos.

Tem algumas coisas em que acredito plenamente, dentro de mim, que formam a minha fé a respeito da vida.

Eu acredito na bondade humana como essência comum a todos os seres, como semente a ser desenvolvida. Acredito em ser feliz e também no provérbio africano que diz que é preferível ser feliz a ser rei... e penso que é melhor ser livre do que chegar em primeiro lugar.

Como Lya Luft, estou certa de que “se cada um cultivar afeto, beleza e lealdade em seu ambiente, por pequeno que seja, isso há de espalhar claridade no mundo”. Levo isso a sério.

Como Luther King, não penso que seja preciso visualizar a escada inteira pra escolher subir o primeiro degrau. Basta sentir que se está mesmo subindo...

Em nome do que acredito, procuro ser coerente naquilo que digo e faço. Sei que falho algumas vezes, mas não desisto, porque também sei que um dia vou ser melhor do que sou hoje. Todos vamos ser.



quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A razão e suas armadilhas


Compreender os limites para confiar nas possibilidades do raciocínio humano

Por Rita Foelker*

Quando se fala em espiritismo, é comum que os estudiosos de sua filosofia logo pensem em fé raciocinada. No entanto, Kardec e os espíritos não se cansam de afirmar que a razão pode falhar. Pode parecer uma inconsistência: se necessito de uma base sólida para a fé e a razão é falível, como poderei confiar nela?
Por outro lado, a importância de se poder basear a fé na razão é crucial no espiritismo e dá maior sentido ao tripé ciência/filosofia/moral, associando o conhecimento ao modo de pensar, dessa associação decorrendo nossas maneiras de agir.
Entender a função que Kardec e os espíritos atribuíram à razão e o melhor modo de evitar suas armadilhas é o que se pretende nesse artigo. Para isso, buscaremos suporte em algumas teses de um dos mais respeitados pensadores do século XX a abordar o conhecimento, o austríaco Karl Popper (1902-1994).

Armadilhas da razão

Para admitirmos a existência de Deus, para aceitarmos a necessidade da reencarnação, os espíritos da Codificação e o próprio Kardec solicitam que utilizemos a razão. À questão 4 de O livro dos espíritos, sobre onde se pode encontrar a prova da existência de Deus, respondem os espíritos:  “Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá.” Sobre o princípio da reencarnação, diz o mestre lionês: “tê-la-íamos repelido, mesmo que provindo dos espíritos, se nos parecera contrária à razão” (LE – item 222). Ao tratar dos atributos de Deus, a razão é novamente mencionada. São todos pontos fundamentais da filosofia espírita.
No entanto, já na “Introdução” ao mesmo livro, lemos que “o homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro”.
Pouco adiante, contudo, Kardec oferece uma ideia mais precisa do que considera um ponto frágil da razão humana: “O que se chama razão não é muitas vezes senão orgulho disfarçado e quem quer que se considere infalível apresenta-se como igual a Deus.” Então, parece que o problema não está na razão, porém, no orgulho, o que vai se confirmar na resposta que os espíritos deram à questão 75a d’O livro dos espíritos: “Por que nem sempre é guia infalível a razão? Seria infalível, se não fosse falseada pela má educação, pelo orgulho e pelo egoísmo”.
Como não se pode ter absoluta certeza de que a razão não será capturada em pelo menos uma dessas três armadilhas, mas precisamos confiar no poder da razão, talvez possamos considerá-la como um instrumento de avaliação de conhecimentos, mas não uma fonte absoluta deles... Essa é uma consequência da teoria de Karl Popper, filósofo austríaco, relacionada à validade do conhecimento e ao uso da razão.

Conhecimento e autoridade

Ao ouvir uma afirmação nova ou surpreendente, é comum perguntar-se “como você sabe disso?”, buscando identificar a fonte ou origem do conhecimento. Questionar a fonte do conhecimento, porém, leva a um beco sem saída. A maioria das coisas que cremos saber não nos veio por experiência direta, mas de tradições, de leituras e relatos, cuja fonte não nos será acessível.
Quando pensamos, por exemplo, nas tábuas dos Dez Mandamentos que, segundo a Bíblia, Moisés entregou ao povo hebreu, a primeira imagem que mais comumente nos ocorre é a de duas placas grandes, com a parte superior convexa. De fato, vimos muitas figuras religiosas e artísticas retratando esse momento. Mas não temos como saber se elas de fato existiram, se tinham esse formato ou se eram aquelas pequenas tabuinhas que os sumérios preenchiam de escrita cuneiforme, se elas eram retangulares, ou irregulares. E, apesar disso, estamos prontos a admitir que elas eram como foram mostradas para nós durante a vida.
Sobre isso, poderíamos, talvez, buscar historiadores confiáveis, mas ainda assim estaríamos envolvidos com questões de autenticidade, de fidedignidade, o que nos enovelaria em uma rede ainda maior de questionamentos. Quando raciocinamos sobre esse tipo de relatos ou afirmações, além de não estarmos absolutamente certos quanto à sua correspondência com a realidade, podemos também cometer equívocos por desatenção, por preconceitos ou outros motivos, além da má educação, orgulho e egoísmo citados pelos espíritos.
Boa parte daquilo que assumimos saber e sobre que raciocinamos vem também dos livros. Mas livros apenas relatam fatos, propõem raciocínios, expõem argumentos, além de terem sido escritos por pessoas que têm seu próprio entendimento, opiniões e intenções, pessoas sujeitas à sua própria cultura e educação.
Percebe-se, assim, que a possibilidade de um conhecimento autenticado pela sua fonte é remota, o que leva a um expediente a que muitos recorrem: o uso da autoridade. Alguns autores teriam mais autoridade para fazer certas afirmações que outros. Algumas fontes teriam mais peso que outras, na defesa de uma tese. O princípio de autoridade é antigo na história e era muito usado na filosofia escolástica, em disputas filosófico-teológicas em que os argumentos eram válidos poderiam apenas por serem atribuídos aos antigos, como Platão e Aristóteles, aos padres da igreja, aos papas e os santos.
Podemos, sem dúvida, dizer que algumas fontes são mais confiáveis que outras. Mas estabelecer uma confiabilidade absoluta baseada no nome de um autor ou livro é temerário e pode levar a extremos de fanatismo e irracionalidade, seja ele encarnado, médium ou espírito.
Karl Popper tem uma proposta de solução para o problema. Ele entende que as questões da origem e da validade de um conhecimento são distintas e assim precisam ser consideradas. Segundo ele, teorias do conhecimento tradicionais tendem a não contestar a legitimidade de afirmações diversas, apenas pela citação de suas fontes, como se o conhecimento pudesse “legitimar-se por sua linhagem”. A aceitação da autoridade como motivo principal para crermos numa afirmação, porém, levada ao extremo, desconsidera as aberrações cognitivas e até as morais, porque a autoridade pode legitimar qualquer proposição.
Considerando que não existe fonte pura de conhecimento, e que equívocos e erros sempre podem ocorrer, Popper entende que nossa melhor chance está em encontrar meios de identificar e gradativamente eliminar possíveis erros. E é aqui que surge a necessidade do uso da razão.
Parece-nos, portanto, muito importante compreender que nossa razão tem seus limites, conforme nos recorda Platão em comentário à questão 1009 de O livro dos espíritos, não obstante afirmar ser ela, como a temos, uma dádiva de Deus.
Diante da limitação e da falibilidade da razão, contudo, o que se pode fazer?

A solução dos gregos

Popper nos apresenta uma solução para o problema encontrada pelos gregos, que se encontra nos primórdios da filosofia ocidental: o debate crítico. Ele observa que quase todas as civilizações criavam escolas para transmitir ensinamentos cosmológicos e religiosos, locais que tinham como grande objetivo preservar uma doutrina e uma tradição. Em locais como esses, as mudanças, ou não existem, ou são apresentadas como reafirmações dos conceitos do mestre. É um clima propício para o surgimento de cismas (dissidências) e heresias (doutrinas, ideias ou práticas que se opõem ao que é estabelecido). E sabemos aonde as acusações de heresia conduziram muitas das vozes discordantes da interpretação da igreja católica, num passado fartamente documentado.
Na Grécia, a escola pitagórica tinha uma estrutura semelhante às de ordens religiosas fechadas, com estilo de vida e conhecimentos secreto. Fora desse ambiente, contudo, observa-se um fluxo constante de ideias, mestres debatendo com alunos, como é o caso das discordâncias entre Tales (o mestre) e Anaximandro (o discípulo) onde, segundo Popper sugere, “Tales teria encorajado ativamente a crítica dos discípulos”, fundando assim “uma nova relação de liberdade, baseada em uma nova relação entre mestre e discípulo”.
Tal atitude vem de uma percepção de que “nossas tentativas de ver e descobrir a verdade não são definitivas, mas passíveis de aprimoramento” e de que “a crítica e o debate são os únicos meios de chegar mais perto da verdade”.
O caráter progressivo do espiritismo é uma das suas características destacadas por Kardec em vários pontos da Codificação, como neste de Obras póstumas: “Fundado de acordo com o estado presente dos conhecimentos, tem ele que se modificar e completar à medida que novas observações lhe demonstrarem as deficiências ou os defeitos.” Considerando, tal qual Popper, o estado dos conhecimentos humanos como provisório, o Codificador prevê necessidade de revisões e mudanças, mas adverte que “as modificações não lhe devem ser introduzidas levianamente, nem com precipitação. Hão de ser obra dos congressos orgânicos que, à revisão periódica dos estatutos constitutivos, acrescentará a do formulário dos princípios”. Congressos pressupõem reunião de pessoas e troca de ideias, em uma palavra: debate crítico.
Em A gênese, somos lembrados de que “os Espíritos não se manifestam para libertar do estudo e das pesquisas o homem, nem para lhe transmitirem, inteiramente pronta, nenhuma ciência”. Convém não nos esquecermos disso.

Limites da inteligência humana

Os espíritos dizem a Kardec, respondendo à questão 83 de O livro dos espíritos: “Há muitas coisas que não compreendeis, porque tendes limitada a inteligência. Isso, porém, não é razão para que as repilais. O filho não compreende tudo o que a seu pai é compreensível, nem o ignorante tudo o que o sábio apreende.” A apreensão da verdade é, portanto, gradativa, segundo a evolução de cada criatura. (R.F.)

Para saber mais:
A gênese, de Allan Kardec.
Textos escolhidos, de Karl Popper. Org. David Miller. Ed. Contraponto/PUC-Rio
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* Matéria em destaque publicada no jornal Leitura Espírita nº 7, de Outubro de 2012.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O medo sempre foi e sempre será sobre a frustração de expectativas...

Por Aymará (Esp.) / Rita Foelker


O medo sempre foi e sempre será sobre a frustração de expectativas.

A expectativa de não ter de renunciar à posse de algo que estimamos é apego. O apego existe quanto às coisas e quanto às pessoas, quanto a emoções e a estilos de viver. Ele surge da ideia de possuir e dominar.

Nosso povo tinha uma convicção: a de não possuir, mas de ser possuído pela Natureza; a de não controlar, mas de ser dirigido pelo Grande Mistério (ou Grande Espírito). Assim, não havia desconfiança de que algo pudesse dar errado... Simplesmente não havia errado! Havia oportunidade e resultado, inteligência e estupidez.

Quando um lugar deixava de ser bom lugar para nós, nós o deixávamos. Quando sentíamos o hálito da morte se aproximando, devíamos cuidar de juntar nossas provisões para atravessar o portal: a confiança e a coragem eram nosso alimento e nosso legado. Pois nossas vidas, nós não as temos. Elas são ofertadas e tiradas, e nosso melhor a fazer é bem aplicá-las, quando a caminho.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Como usar a liberdade*

O pensamento de Kant em conexão com o dever moral segundo o espiritismo

Por Rita Foelker

Uma das mais conhecidas noções presentes na filosofia de Immanuel Kant (1724-1804) diz respeito ao dever. A expressão mais clara e sintética desse dever surge no chamado “imperativo categórico”: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”.
A filosofia de Kant contém algumas noções básicas, que explicam sua maneira de pensar os conceitos diversos, como é o caso do dever que, segundo ele, assenta-se sobre uma ideia muito peculiar de razão.
Razão é um conceito central no kantismo. Para Kant, a razão pura é universal – não pertence a um único indivíduo – e funciona como condição de possibilidade do conhecimento. A estrutura dessa razão universal é a priori: preexiste à experiência, mas só o experimentar possibilita o conhecimento dos conteúdos de que ela vai se ocupar. E é por meio da filosofia, que a razão conhece a si mesma e determina a possibilidade e o limite do conhecimento que é capaz de atingir.
Segundo o filósofo, as coisas que se pode experimentar, pode-se conhecer. As coisas que não podem ser conhecidas (experimentalmente), contudo, ainda podem ser pensadas, a partir da estrutura da razão. E há coisas não apenas podem, mas que precisam ser pensadas, como é o caso da moral e do dever, relacionadas à liberdade e à autonomia do sujeito, que estão dentro do ser humano e inacessíveis à experiência do conhecimento objetivo.
Kant nota que, enquanto na Natureza impera a necessidade, pelo encadeamento das causas e efeitos presente nas leis naturais, no domínio humano existe a liberdade de estabelecer fins éticos e leis para que estes fins sejam atingidos, contexto em que se precisa pensar no dever. Como observa Marilena Chauí comentando Kant, em Filosofia (Ed. Ática), o dever, “longe de ser uma imposição externa feita à nossa vontade e à nossa consciência, é a expressão da lei moral em nós, manifestação mais alta da humanidade em nós. Obedecê-lo é obedecer a si mesmo. Por dever, damos a nós mesmos os valores, os fins e as leis de nossa ação moral”.
Nesse sentido é que se pode entender a diferença entre uma “máxima” e uma “lei”: a máxima é um princípio subjetivo de ação, válido para um indivíduo, enquanto uma lei é um princípio objetivo, que vale para todos os seres. Obedecer ao imperativo categórico, portanto, é obedecer a um princípio universal com base na razão compartilhada por todos os seres.

O dever como parâmetro para ação

A instrução intitulada “O dever”, assinada por Lázaro no ano de 1863 e apresentada n’ O evangelho segundo o espiritismo afirma que: “O dever é a obrigação moral da criatura para consigo mesma, primeiro, e, em seguida, para com os outros. O dever é a lei da vida. Com ele deparamos nas mais ínfimas particularidades, como nos atos mais elevados.” Vemos claramente que a ideia do dever surge, na mensagem de Lázaro como em Kant, a partir de uma máxima para gerir a conduta pessoal e torna-se uma lei para agir para com os outros, como lei da própria vida. Este movimento do subjetivo para o objetivo pressupõe uma razão universal, caso contrário cada um só poderia pensar racionalmente sua própria conduta pessoal.
O dever segundo o espiritismo, contudo, tem a razão como fundamento? Veremos que sim. Lemos mais adiante, na mesma mensagem, que “na ordem dos sentimentos, o dever é muito difícil de cumprir-se, por se achar em antagonismo com as atrações do interesse e do coração”. A noção do dever, algumas vezes, contradiz o nosso interesse e o nosso sentimento, contudo, à razão cabe ponderar e dirigir a ação.
Para cumprirmos nosso dever perante nós mesmos e perante nossa consciência, Lázaro oferece um raciocínio: “O dever principia, para cada um de vós, exatamente no ponto em que ameaçais a felicidade ou a tranquilidade do vosso próximo; acaba no limite que não desejais ninguém transponha com relação a vós”. E o autor espiritual também oferece um parâmetro universal: “Deus criou todos os homens iguais para a dor. (...) A igualdade em face da dor é uma sublime providência de Deus, que quer que todos os seus filhos, instruídos pela experiência comum, não pratiquem o mal, alegando ignorância de seus efeitos.” Significa que a experiência da dor nos dá o conhecimento que permite pensar e escolher nossas condutas perante o próximo – o que nos aproxima novamente da noção kantiana, do conhecer a partir do que experimentamos... mas isso já seria outro texto.
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* Texto publicado originalmente na edição 05, Setembro de 2012, do jornal Leitura Espírita.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Querer


http://www.pieway.com

Aymará (Esp.)/Rita Foelker

A vontade é um pássaro ágil e a floresta tem muitas vozes. Um rio tem vozes várias; o vento entoa canções; a noite, seus uivos e pios.


O pássaro segue esses sons, assim como os sons e movimentos da fêmea.


É próprio do pássaro, voar e buscar pousos. Mas seu pouso tem a duração do seu descanso, sem apegos.


A vontade humana, contudo, agarra-se, premida pelo medo, embora tente dar explicações. A vontade humana quer ligar-se às coisas e que as coisas se liguem a si.


O sofrimento das perdas lhe ensinará que a vontade só tem um propósito: conduzir a si próprio pelo caminho escolhido. Pousos são bênçãos da jornada, não são prisões ou gaiolas. A cobiça e o apego serão sempre suas principais armadilhas.


É próprio da vontade, voar, conduzir assim ao céu infinito das possibilidades. Eis seu propósito mesmo de ser.


Há quem creia que a vontade deva viver engaiolada em prescrições e temores. Eu creio diferente: trabalho a vontade mostrando-lhe mais e mais horizontes.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Quando os homens não se sentem suficientemente fortes...


Por H.D.T. (Esp.)/Rita Foelker
Líderes da Primeira Cruzada:
Godfrey, Tancred, Raymond e Bohemund

Quando os homens não se sentem suficientemente fortes e preparados para o embate consigo mesmos, eles costumam fortalecer-se nos embates com seus semelhantes.
Esses embates precisam de um motivo e de uma motivação. O motivo é a inimizade criada por algum tipo de oposição político-ideológica – nas situações mais elaboradas – ou pelo puro interesse pessoal – em escala mais restrita.
A motivação é uma pretensa necessidade inventada e eventualmente inflamada pelos discursos.
Combater o outro é uma espécie de treino de força e habilidade. Tais habilidades não serão perdidas na jornada, embora possam ser mal aplicadas e gerar efeitos que mais infelicitarão que apaziguarão.
A própria palavra do Cristo foi transformada em bandeira, levantando pessoas contra pessoas.
Nesse exercício de insanidade, buscam-se definir quem são os superiores, frente aos inferiores. Os fortes, perante os fracos. Os vitoriosos, enfim, sobrepujando e humilhando os derrotados.
As palavras e a mensagem do Cristo, contudo, assim como as grandes orientações espirituais recebidas pela Humanidade em diferentes lugares e momentos, jamais serão limitadas ao uso dos insensatos. Elas continuarão luminosas e cristalinas, por serem a expressão das verdades contidas nas leis do Amor. O Amor jamais dividirá, jamais escolherá um para ser melhor que outro, jamais aceitará destruir em nome da sua supremacia. O Amor é e sempre foi, em si mesmo, o mandamento supremo e a única efetiva lei sobre como viver.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Perispíritos não ficam tatuados

Por Ariane de Assis Jordão

http://favim.com/image/58432/ 
Os conceitos espíritas são claros e permitem deduções bastante precisas.
O perispírito, ou corpo fluídico do Espírito, é um deles. Quando o corpo físico cessa seu funcionamento e morre, o Espírito liberto da matéria não se torna uma abstração, algo vago e indeterminado. Ele conserva um envoltório que lhe permite sensações (perceber o meio e os outros Espíritos), comunicação (mediante transmissão de pensamentos, entre os desencarnados, ou pela própria mediunidade, com os vivos) e ação (pelo efeito da vontade que qualifica e dirige os fluidos). O perispírito tem ainda a característica da flexibilidade, assumindo formas mutáveis que dependem da crença ou da vontade do Espírito. Quer dizer que no mundo espiritual teremos necessariamente uma aparência, mas esta aparência está vinculada à autoimagem que conservarmos e às fixações, traumas e remorsos ainda existentes. Mas também poderemos aprender a modificar nossa aparência, apresentando-nos da forma que desejarmos, como é comum ocorrer em reuniões mediúnicas.
As propriedades dos fluidos, que explicam as do perispírito ou corpo espiritual, estão fartamente explicadas no Capítulo 14 d’A Gênese de Allan Kardec. Nosso corpo espiritual, não tendo forma constante como o físico, não preserva igualmente rugas, cicatrizes ou pinturas, no estilo das tatuagens. Ou seja, alguém que deseje apresentar-se com suas tatuagens, seja no mundo espiritual ou à vidência dos encarnados, pode fazê-lo, desde que saiba como. E alguém apegado à sua imagem que inclui desenhos tatuados na pele pode mantê-los depois da morte do corpo. Mas tatuagens não estão vinculadas à condição moral, nem selam o destino da alma após a morte do corpo, obrigando tais criaturas a habitarem uma região definida do "Além", ou algo semelhante.
Tatuagens são manifestações culturais. Entre muitos povos, elas estão associadas a profundos significados e expressam tradições, relacionam-se à iniciação e ritos de passagem. Entre nós, ocidentais, elas estiveram por muito tempo vinculadas a prisões e a um estilo de vida marginalizado, mas este vínculo não é real, ele foi forjado em nossos hábitos e pensamentos.
Afirmar que tatuados são enviados para lugares de baixa vibração no mundo espiritual é fruto de um preconceito do nosso tempo, não é o reconhecimento de uma realidade do mundo dos Espíritos. Criar estigmas morais baseados em características exteriores, físicas, demonstra o quanto se está distante da compreensão da verdadeira qualidade dos Espíritos elevados.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O ateu Richard Dawkins e seu livro infantojuvenil*

Por Rita Foelker

Dizem que os cinco sentidos nos colocam em contato com a realidade. Será?...

Como sabemos o que é a verdade? A filosofia se debruça sobre essa questão há mais de mil anos e, ultimamente, a verdade se tornou uma questão epistemológica secundária. As teorias científicas, por exemplo, já não buscam expressar a “verdadeira verdade” sobre as coisas que existem, mas apenas um ponto de vista aceitável perante os critérios que adota para sua confirmação, um ponto de vista que pode modificar-se ou ser superado com o passar do tempo.
Segundo visões atuais, preferencialmente as pluralistas, as céticas e as materialistas, teorias não têm como objetivo chegar à verdade, até porque verdade é um conceito além da possibilidade de investigação científica. Pois então: minha curiosidade foi estimulada quando soube do lançamento da edição brasileira de A magia da realidade: como sabemos o que é verdade, o livro infanto-juvenil de Richard Dawkins e, ao abri-lo, descubro como subtítulo a expressão que se refere exatamente a como conhecemos a verdade. Quis entender qual é a verdade de Dawkins, até porque a ciência hoje em dia evita as inquirições metafísicas, sobre a verdade acerca da origem, a natureza e o propósito das coisas. Mas algumas perguntas que intitulam os capítulos são realmente consideradas terreno metafísico. É o caso de “quando e como tudo começou?” e “por que coisas ruins acontecem?”, mostrando que o desejo de respondê-las continua vivo em muitas pessoas e incita a curiosidade dos jovens a quem o livro se destina.

O que é real?

A marca do cético é duvidar de tudo, até do que parece óbvio. Richard Dawkins não é um cético radical e está preparado para aceitar que certas coisas são, inquestionavelmente, reais – aquelas que percebemos por meio dos cinco sentidos físicos (tato, olfato, visão, audição e paladar). Entre os exemplos de coisas reais, contudo, ele cita um camelo, cuja existência alguém poderia contestar. “Não sei se um camelo existe, nunca vi pessoalmente, cheirei ou toquei um camelo.” Ainda mais hoje, quando os softwares produzem aparências muito convincentes de realidade...
Ao que parece, contudo, para Dawkins, quando entendemos o processo pelo qual uma informação nos chega, é legítimo conceder-lhe credibilidade. Esse é, segundo o autor, o caso dos fósseis, pois, como sabemos o processo e podemos compreender como eles se formam, podemos portanto acreditar que os fósseis são reais, e também assumir que eles significam que os dinossauros existiram no passado da Terra.
As ondas de rádio e TV, que não são acessíveis aos cinco sentidos, também são reais, porque elas emitem sinais visíveis – se transformam em som e imagem. Parece então que, além da percepção direta, a compreensão dos meios e percepção de sinais indicadores fazem parte dos critérios do autor para se atribuir realidade a um evento ou objeto. No entanto, quando se trata de “falar com os mortos”, mesmo que estes deixem provas materiais de sua ação e registros que permitam reconhecer a identidade de seus agentes, Richard Dawkins prefere atribuir esses fenômenos a uma de duas causas – ou charlatanismo, ou boa-fé. Ou a pessoa está dissimulando o fato de comunicar-se com os mortos deliberadamente, ou acredita que é médium e tem capacidade de comunicar-se com eles, mas está iludida.

Como funciona a mediunidade

A mediunidade, contudo, é um processo que muitas vezes deixa registros e possibilidades de confirmação inquestionáveis. Os muitos relatos das psicografias de Chico Xavier e de outros médiuns não partiram de espíritas ansiosos por convencer incrédulos, mas mencionam pessoas que, contrariamente às suas expectativas, tiveram de reconhecer a legitimidade do fenômeno. Um desses casos aparece no filme Chico Xavier (2010), que apresenta o processo de autoconvencimento do diretor de TV interpretado por Toni Ramos, totalmente cético em relação às comunicações dos espíritos.
O livro dos médiuns de Kardec é um completo manual científico para orientar, não apenas a prática mediúnica, mas a avaliação dos seus resultados e a identificação de fraudes e mistificações. Para Dawkins, a fraude e o autoengano seriam as únicas explicações possíveis para as manifestações mediúnicas, mas fica-se então a descoberto para compreender os numerosos casos em que estas não ocorreram.
Contudo, o autor pode talvez mudar de ideia, já que ele mesmo afirma que “a realidade não consiste apenas nas coisas que já conhecemos. Ela inclui o que existe mas ainda ignoramos — e que só viremos a conhecer no futuro, talvez quando tivermos construído instrumentos melhores para auxiliar nossos cinco sentidos”. A abertura mental para novas possibilidades de conhecer, não só com instrumentos que ampliam nossos sentidos, mas com outros sentidos, é o ponto de partida para a compreensão da realidade do fenômeno mediúnico.

A magia da realidade: como sabemos a verdade foi escrito por Richard Dawkins e ilustrado por Dave McKean. Lançamento da Ed. Companhia das Letras, com 272 páginas. Dawkins é um autor conhecido por suas posições antirreligiosas e tentativas de explicar todos os eventos por meio da evolução genética e seleção natural. Escreveu O gene egoísta e O relojoeiro cego, mas ganhou grande notoriedade ao lançar Deus, um delírio. Mesmo com ideias discordantes das visões espíritas, seus textos são bem escritos e simples, podendo ensinar algo a quem se sente atraído pelo universo da produção literária. (R.F.)
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* Esta matéria foi publicada na seção "Leitura da Mídia", do novo jornal Leitura Espírita, Edição 01, do qual sou presentemente responsável pela coordenação editorial.


terça-feira, 3 de abril de 2012

Ver

Visão coletiva, pintura de Alex Grey.
www.alexgrey.com
Por Aymará (Esp.) / Rita Foelker

A consciência tem sido simbolizada em arte, cultura e religião, pela imagem de um olho. Também o Criador Supremo, em alguns simbolismos, é pensado como "olho que tudo vê", que se relaciona ao significado de 'onisciente' (= que tudo conhece)*.
Visão, visionário, e a popular "visagem", são termos aplicados a situações de percepção além dos sentidos materiais, no que condizem com a ideia de "tornar-se consciente de", desvelar, descobrir, no caso, algo em uma dimensão extrafísica. Passar de um estado de ignorância espiritual ao de conhecimento.
E, de fato, as visões são comumente traduzidas por imagens vistas pelo visionário. Cores, figuras, formas geométricas, lugares e pessoas são descritos. Contudo, essas imagens, embora possuam significado a ser eventualmente desvendado, não traduzem obrigatoriamente a visão real de coisas que existem do modo como são vistas.
Imagens, nesse contexto, podem não ser registros de situações reais.
Num primeiro caso, imagens também são recursos da mente para sintetizar ideias. Imagens podem ser arquétipos coletivos de origem imemorial. A mente recorre aos seus registros desta e doutras vidas para apresentar ao visionário analogias ou vestimentas para aquilo que ele vê mas não pode ser "materializado", quando o que percebe não teria forma visível, nem poderia ser traduzido nos termos com que está habituado.
Mas existe outro tipo de visão, aquelas que são frutos de criações de seres encarnados e desencarnados usando aquilo que se chama às vezes de 'matéria sutil', matéria indetectável pelos sentidos, suscetível de ser moldada por força da imaginação e da vontade. É matéria do tipo que transmite os pensamentos e que auxilia na cura de doenças, incluindo-se as físicas, podendo ser percebida pelos sentidos da alma.
Outro uso correto da palavra "ver" no sentido de ver "espiritualmente", contudo, é conhecido e muito utilizado pelas pessoas que despertaram para sua espiritualidade. São os sinais materiais que, embora possam estar muitas vezes patentes, não são percebidos pela maioria dos seres adormecidos, entorpecidos pela ação da matéria densa. Pois é preciso estar desperto para a espiritualidade para ser capaz de ver esses sinais: o balançar de uma folha, a cor de uma nuvem, o som da água podem ser mensageiros de conceitos muito profundos e sinais de fatos que estão por vir. Nesse caso, embora o que se vê seja um fato dito "material", o seu sentido só é apreendido por quem desenvolveu sua visão espiritual.
Compreendendo que há interrelações entre os aspectos materialmente visíveis e invisíveis da realidade, surge a ideia de ser capaz de "ver o invisível através do visível", em situações de profundo aprendizado pessoal e compreensão ampliada da vida.
Há pessoas que veem desse modo. Esta contudo não é a regra, embora seja uma habilidade passível de aprendizado. Ainda hoje, no mundo da matéria, os seres parecem ver ainda muito pouco, muito pouco mesmo, além de seus desejos egoístas e necessidades de satisfação pessoal.
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*N.M.: Scire, em latim, significa 'saber'.