terça-feira, 8 de maio de 2012

Perispíritos não ficam tatuados

Por Ariane de Assis Jordão

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Os conceitos espíritas são claros e permitem deduções bastante precisas.
O perispírito, ou corpo fluídico do Espírito, é um deles. Quando o corpo físico cessa seu funcionamento e morre, o Espírito liberto da matéria não se torna uma abstração, algo vago e indeterminado. Ele conserva um envoltório que lhe permite sensações (perceber o meio e os outros Espíritos), comunicação (mediante transmissão de pensamentos, entre os desencarnados, ou pela própria mediunidade, com os vivos) e ação (pelo efeito da vontade que qualifica e dirige os fluidos). O perispírito tem ainda a característica da flexibilidade, assumindo formas mutáveis que dependem da crença ou da vontade do Espírito. Quer dizer que no mundo espiritual teremos necessariamente uma aparência, mas esta aparência está vinculada à autoimagem que conservarmos e às fixações, traumas e remorsos ainda existentes. Mas também poderemos aprender a modificar nossa aparência, apresentando-nos da forma que desejarmos, como é comum ocorrer em reuniões mediúnicas.
As propriedades dos fluidos, que explicam as do perispírito ou corpo espiritual, estão fartamente explicadas no Capítulo 14 d’A Gênese de Allan Kardec. Nosso corpo espiritual, não tendo forma constante como o físico, não preserva igualmente rugas, cicatrizes ou pinturas, no estilo das tatuagens. Ou seja, alguém que deseje apresentar-se com suas tatuagens, seja no mundo espiritual ou à vidência dos encarnados, pode fazê-lo, desde que saiba como. E alguém apegado à sua imagem que inclui desenhos tatuados na pele pode mantê-los depois da morte do corpo. Mas tatuagens não estão vinculadas à condição moral, nem selam o destino da alma após a morte do corpo, obrigando tais criaturas a habitarem uma região definida do "Além", ou algo semelhante.
Tatuagens são manifestações culturais. Entre muitos povos, elas estão associadas a profundos significados e expressam tradições, relacionam-se à iniciação e ritos de passagem. Entre nós, ocidentais, elas estiveram por muito tempo vinculadas a prisões e a um estilo de vida marginalizado, mas este vínculo não é real, ele foi forjado em nossos hábitos e pensamentos.
Afirmar que tatuados são enviados para lugares de baixa vibração no mundo espiritual é fruto de um preconceito do nosso tempo, não é o reconhecimento de uma realidade do mundo dos Espíritos. Criar estigmas morais baseados em características exteriores, físicas, demonstra o quanto se está distante da compreensão da verdadeira qualidade dos Espíritos elevados.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O ateu Richard Dawkins e seu livro infantojuvenil*

Por Rita Foelker

Dizem que os cinco sentidos nos colocam em contato com a realidade. Será?...

Como sabemos o que é a verdade? A filosofia se debruça sobre essa questão há mais de mil anos e, ultimamente, a verdade se tornou uma questão epistemológica secundária. As teorias científicas, por exemplo, já não buscam expressar a “verdadeira verdade” sobre as coisas que existem, mas apenas um ponto de vista aceitável perante os critérios que adota para sua confirmação, um ponto de vista que pode modificar-se ou ser superado com o passar do tempo.
Segundo visões atuais, preferencialmente as pluralistas, as céticas e as materialistas, teorias não têm como objetivo chegar à verdade, até porque verdade é um conceito além da possibilidade de investigação científica. Pois então: minha curiosidade foi estimulada quando soube do lançamento da edição brasileira de A magia da realidade: como sabemos o que é verdade, o livro infanto-juvenil de Richard Dawkins e, ao abri-lo, descubro como subtítulo a expressão que se refere exatamente a como conhecemos a verdade. Quis entender qual é a verdade de Dawkins, até porque a ciência hoje em dia evita as inquirições metafísicas, sobre a verdade acerca da origem, a natureza e o propósito das coisas. Mas algumas perguntas que intitulam os capítulos são realmente consideradas terreno metafísico. É o caso de “quando e como tudo começou?” e “por que coisas ruins acontecem?”, mostrando que o desejo de respondê-las continua vivo em muitas pessoas e incita a curiosidade dos jovens a quem o livro se destina.

O que é real?

A marca do cético é duvidar de tudo, até do que parece óbvio. Richard Dawkins não é um cético radical e está preparado para aceitar que certas coisas são, inquestionavelmente, reais – aquelas que percebemos por meio dos cinco sentidos físicos (tato, olfato, visão, audição e paladar). Entre os exemplos de coisas reais, contudo, ele cita um camelo, cuja existência alguém poderia contestar. “Não sei se um camelo existe, nunca vi pessoalmente, cheirei ou toquei um camelo.” Ainda mais hoje, quando os softwares produzem aparências muito convincentes de realidade...
Ao que parece, contudo, para Dawkins, quando entendemos o processo pelo qual uma informação nos chega, é legítimo conceder-lhe credibilidade. Esse é, segundo o autor, o caso dos fósseis, pois, como sabemos o processo e podemos compreender como eles se formam, podemos portanto acreditar que os fósseis são reais, e também assumir que eles significam que os dinossauros existiram no passado da Terra.
As ondas de rádio e TV, que não são acessíveis aos cinco sentidos, também são reais, porque elas emitem sinais visíveis – se transformam em som e imagem. Parece então que, além da percepção direta, a compreensão dos meios e percepção de sinais indicadores fazem parte dos critérios do autor para se atribuir realidade a um evento ou objeto. No entanto, quando se trata de “falar com os mortos”, mesmo que estes deixem provas materiais de sua ação e registros que permitam reconhecer a identidade de seus agentes, Richard Dawkins prefere atribuir esses fenômenos a uma de duas causas – ou charlatanismo, ou boa-fé. Ou a pessoa está dissimulando o fato de comunicar-se com os mortos deliberadamente, ou acredita que é médium e tem capacidade de comunicar-se com eles, mas está iludida.

Como funciona a mediunidade

A mediunidade, contudo, é um processo que muitas vezes deixa registros e possibilidades de confirmação inquestionáveis. Os muitos relatos das psicografias de Chico Xavier e de outros médiuns não partiram de espíritas ansiosos por convencer incrédulos, mas mencionam pessoas que, contrariamente às suas expectativas, tiveram de reconhecer a legitimidade do fenômeno. Um desses casos aparece no filme Chico Xavier (2010), que apresenta o processo de autoconvencimento do diretor de TV interpretado por Toni Ramos, totalmente cético em relação às comunicações dos espíritos.
O livro dos médiuns de Kardec é um completo manual científico para orientar, não apenas a prática mediúnica, mas a avaliação dos seus resultados e a identificação de fraudes e mistificações. Para Dawkins, a fraude e o autoengano seriam as únicas explicações possíveis para as manifestações mediúnicas, mas fica-se então a descoberto para compreender os numerosos casos em que estas não ocorreram.
Contudo, o autor pode talvez mudar de ideia, já que ele mesmo afirma que “a realidade não consiste apenas nas coisas que já conhecemos. Ela inclui o que existe mas ainda ignoramos — e que só viremos a conhecer no futuro, talvez quando tivermos construído instrumentos melhores para auxiliar nossos cinco sentidos”. A abertura mental para novas possibilidades de conhecer, não só com instrumentos que ampliam nossos sentidos, mas com outros sentidos, é o ponto de partida para a compreensão da realidade do fenômeno mediúnico.

A magia da realidade: como sabemos a verdade foi escrito por Richard Dawkins e ilustrado por Dave McKean. Lançamento da Ed. Companhia das Letras, com 272 páginas. Dawkins é um autor conhecido por suas posições antirreligiosas e tentativas de explicar todos os eventos por meio da evolução genética e seleção natural. Escreveu O gene egoísta e O relojoeiro cego, mas ganhou grande notoriedade ao lançar Deus, um delírio. Mesmo com ideias discordantes das visões espíritas, seus textos são bem escritos e simples, podendo ensinar algo a quem se sente atraído pelo universo da produção literária. (R.F.)
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* Esta matéria foi publicada na seção "Leitura da Mídia", do novo jornal Leitura Espírita, Edição 01, do qual sou presentemente responsável pela coordenação editorial.