quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Só um ego se incomoda com outro ego

Por Rita Foelker – Para o site FEAL

“Teu crítico é que te faz crescer.[1]” Nesta afirmação, o médico e professor espírita Décio Iandoli Jr. faz pensar na crítica, no seu melhor sentido. Mas seria, ela, apenas a chamada “crítica construtiva”, aquela que é feita no intuito de acrescentar, aprimorar?

Vou defender aqui que o conjunto das críticas que constroem pode ser bem maior que o conjunto das críticas feitas com objetivo construtivo. Pois a construção não depende simplesmente de como ela é feita, mas principalmente de como é recebida e aproveitada.

Uma indicação disso se encontra em Provérbios 9:8: “Não repreendas o escarnecedor, para que não te odeie; repreende o sábio, e ele te amará.” Ou seja, na situação de ser criticado, alguém arrogante se aborrece, imagina-se acima da crítica, permanece onde está e nada aprende. Mas a pessoa que compreende o valor do aprimoramento recebe de boa vontade e agradece o crítico, por haver permitido agregar melhorias a sua realização. Por ter tido a chance de pensar melhor e obter um resultado melhor do seu esforço.

Olhando por esse lado, mesmo que uma crítica chegue meio “torta”, pareça indevida ou imerecida, isso não quer dizer que não seja útil. Ela pode nos alertar para algo que não percebemos, para prestarmos mais atenção a aspectos relevantes. Mas isso somente se, no momento exato, esquecermos o ego e nos lembrarmos de usar a humildade que abre a mente e os ouvidos. Só o fato de contar com uma perspectiva diversa pode ser um benefício.

E se alguém argumentar contra, o diálogo pode ser um modo de checar seus próprios argumentos e fortalecê-los.

Claro que, se colocarmos o ego na frente, não conseguiremos ter lucidez e encontraremos um meio de disputar razões com nosso crítico. Mas inteligentemente colocando-o no seu devido lugar, podemos usar aquele momento pra evoluir.

Houve certa vez uma conversa com meu filho, sobre os papéis dos vilões na literatura e cinema. Sem o vilão, seria difícil desenvolver a trama. O vilão existe para o herói poder mostrar quem ele é. Quando o herói responde à ação ou provocação do vilão, ele usa seus poderes, sua inteligência, demonstra as suas qualidades e é confrontado por suas fraquezas. Isso o leva frequentemente a encarar circunstâncias e superar-se, encontrando capacidades ignoradas para vencer o desafio. Encontrar resistência pelo caminho é um jeito de nos fortalecermos e adquirir mais segurança.

De fato, a crítica recebida positivamente pode ser um meio de trazer à tona nosso melhor potencial, ainda adormecido. Não importa de onde veio, com que intenção. Isso mesmo, uma crítica pode não ter sido construtiva na sua origem, mas ainda pode construir.




[1] O trecho pertence ao texto “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, postado no blog Portal Espiritualista. Disponível em http://migre.me/g1bns

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Reencarnação é castigo?*

Há quem pense que aqui retornamos em razão de nossos erros cometidos em vidas passadas

Por Rita Foelker, para revista Leitura Espírita



A reencarnação nos proporciona tempo na Terra, um corpo físico e um meio onde nos desenvolvemos de muitas maneiras e podemos atuar. A chegada de um bebê é geralmente celebrada pelas famílias, com alegria e esperança.
Ao reencarnarmos, somos introduzidos num lugar diferente, não sem problemas e desafios, mas também repleto de belezas e possibilidades. Mas há quem pense e diga que reencarnação é pena, castigo, e que aqui retornamos em razão de nossos erros do passado, para sofrer pelo que fizemos outras pessoas sofrerem.
Não é esta a ideia que se depreende dos textos espíritas fundamentais, aqueles que formam a base da compreensão espírita das coisas, deixados por Kardec para nosso estudo e esclarecimento.

Evoluir com liberdade

“A reencarnação é a volta da alma ou espírito à vida corpórea, mas em outro corpo especialmente formado para ele e que nada tem de comum com o antigo”. Eis o que lemos em O evangelho segundo o espiritismo. Se a reencarnação é volta, significa que é preciso já termos encarnado uma vez, para poder reencarnar. Por que, então, encarnamos pela primeira vez, se ainda não cometemos nenhuma falta para sermos punidos?
A resposta vem de O livro dos espíritos, tratando do “Objetivo da encarnação”: “Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição.” Dizer que a encarnação é algo imposto, significa dizer que não é uma alternativa ou resultado de nossa conduta, mas que todos os espíritos passam por ela obrigatoriamente. E em O evangelho segundo o espiritismo, Kardec refaz a pergunta: “É um castigo a encarnação e somente os espíritos culpados estão sujeitos a sofrê-la?” A resposta do espírito São Luís não deixa dúvida: “A passagem dos espíritos pela vida corporal é necessária para que eles possam cumprir, por meio de uma ação material, os desígnios cuja execução Deus lhes confia. É-lhes necessária, a bem deles, visto que a atividade que são obrigados a exercer lhes auxilia o desenvolvimento da inteligência. Sendo soberanamente justo, Deus tem de distribuir tudo igualmente por todos os seus filhos; assim é que estabeleceu para todos o mesmo ponto de partida, a mesma aptidão, as mesmas obrigações a cumprir e a mesma liberdade de proceder. Qualquer privilégio seria uma preferência, uma injustiça.”
Obedecendo à Lei de Justiça, todos recebemos as mesmas oportunidades de desenvolvimento da inteligência, por meio da encarnação, colaborando também com a obra da Criação. Mas trata-se também de oportunidade de exercício da liberdade. Pois continua São Luís. “A encarnação para todos os espíritos, é... uma tarefa que Deus lhes impõe, quando iniciam a vida, como primeira experiência do uso que farão do livre-arbítrio.” E logo, passamos a experimentar as consequências de nossa liberdade de escolha, adiantando ou atrasando nossa caminhada evolutiva.
É nesse contexto que aparece, na própria resposta de São Luís, uma referência a “castigo”, ao afirmar que “os [espíritos] que usam mal da liberdade que Deus lhes concede retardam a sua marcha e, tal seja a obstinação que demonstrem, podem prolongar indefinidamente a necessidade da reencarnação e é quando se torna um castigo.” Fica então claro que é a repetição indefinida das lições, a demora no aprendizado, que acaba constituindo uma espécie de punição mas, sempre, resultante das próprias escolhas e ações do espírito em questão, sem intervenção de um Deus punitivo.
O comentário de Kardec reforça esta compreensão: “Para o espírito do selvagem, que está apenas no início da vida espiritual, a encarnação é um meio de ele desenvolver a sua inteligência; contudo, para o homem esclarecido, em quem o senso moral se acha largamente desenvolvido e que é obrigado a percorrer de novo as etapas de uma vida corpórea cheia de angústias, quando já poderia ter chegado ao fim, é um castigo, pela necessidade em que se vê de prolongar sua permanência em mundos inferiores e desgraçados. Aquele que, ao contrário, trabalha ativamente pelo seu progresso moral, além de abreviar o tempo da encarnação material, pode também transpor de uma só vez os degraus intermédios que o separam dos mundos superiores.”

Não existem exceções

Mas mesmo aqueles espíritos que seguiram desde o início o caminho do Bem necessitam reencarnar? Kardec fez esta pergunta aos espíritos, que responderam que “todos são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer felizes a uns, sem fadigas e trabalhos, conseguintemente sem mérito.”
Há outro propósito ainda, na reencarnação: “o de pôr o espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta.”
Fica então a pergunta sobre as razões de nosso sofrimento nesta vida e a razão pela qual algumas pessoas parecem destinadas a sofrerem mais que outras. Os espíritos disseram a Kardec que sofremos muitas vezes pelas nossas imperfeições, não pelo que fizemos noutro momento e lugar. “Quanto menos imperfeições, tanto menos tormentos. Aquele que não é invejoso, nem ciumento, nem avaro, nem ambicioso, não sofrerá as torturas que se originam desses defeitos.”
O que se verifica, então, que a causa do sofrimento está em nós mesmos, em nosso modo de encarar a vida e os desafios, de nos relacionarmos com as pessoas e com a Natureza.

Reconstruindo relacionamentos

De fato, a vida é uma dinâmica, que não leva em conta apenas o que nos acontece, mas como nós reagimos àquilo que nos acontece, e que não pode ser traduzida num esquema simplista de prêmio e castigo.
A reencarnação é um processo que envolve muitos fatores, muitas decisões, muitas emoções e sentimentos que se modificam. O tempo que nos é dado sobre a Terra não é um presente pronto para usar, ele é mais um quebra-cabeça, um jogo de montar. Temos a sensação de que ele às vezes sobra, às vezes parece faltar, mas o fato é que podemos aprender a utilizá-lo tornando nossa vida mais satisfatória ou mais difícil.
Reencarnamos para progredir intelectual e moralmente, desenvolver amor, compaixão, solidariedade, tolerância, paz interior, paciência e outras virtudes. E para cumprir uma tarefa no Universo.
Antes de reencarnarmos, refletimos e, com a ajuda de espíritos mais sábios, traçamos um plano, escolhemos o que queremos desenvolver dentre as nossas muitas necessidades, o que pressupõe um cenário específico. Um meio social. Uma condição física particular. Por isso, algumas pessoas nascem com severas limitações materiais, mas que fazem parte do seu programa evolutivo, da sua proposta de se melhorarem em determinados aspectos. No entanto, a par das condições físicas, financeiras e do meio social desafiador, cabe a cada um de nós, com seu livre-arbítrio, escolher como vai lidar com as situações que encontra, com fé e esperança ou com desânimo, com aceitação ou ressentimento, em paz consigo e com a vida ou, então, em permanente conflito, lembrando que é nas situações-limite, nas dificuldades, que somos incentivados a praticar tudo aquilo que aprendemos e construímos como qualidades de nosso Ser imortal.
Nas muitas reencarnações, reconstruímos relacionamentos que, durante séculos, foram vivenciados em ciclos de vingança, entre ódios e ressentimentos. Não se trata de uma mecânica da lei, simplesmente, mas de um desejo e uma necessidade dos espíritos envolvidos. Ao renascer, somos, então, presenteados com o esquecimento do passado, que facilita a reaproximação de desafetos de outras existências, sem tantas prevenções e reservas, numa nova chance de desenvolver bons sentimentos recíprocos, apagando mágoas. Essas pessoas se encontram hoje próximas de nós, entre nossos amigos, colegas e familiares. E cada vez mais, para viver bem com o próximo, num mundo que chega mais perto de nós a cada dia, graças à tecnologia, vai se fazendo necessário compreender melhor o todo da vida, não apenas nosso pedacinho, nossa tarefa, nosso quadrado.
Então vemos cada vez mais pessoas buscando um sentido para que o viver seja mais que nascer, crescer, estudar, trabalhar, procriar e morrer, que se expande nas palavras de Kardec: “Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei”.
Pode parecer que estamos nos esquecendo da chamada “lei de causa e efeito”. Mas ainda existem as consequências naturais de nossos atos e condutas, o que não existe mais é a ideia de que a causa seria um ato infeliz cometido numa vida e, o efeito, a punição posterior.
Segundo o músico e compositor Herbie Hancock, seguidor de uma doutrina reencarnacionista, o budismo, “o maior objetivo de um ser humano é poder entender o que está acontecendo, se é banquete ou fome, se são coisas agradáveis ou desagradáveis, pegar essas coisas e, de alguma forma, transformá-las em algo de valor.” Um exemplo disso pode ser encontrado com a terapeuta ocupacional estadunidense Christina Stephens, que sofreu uma amputação da perna e construiu para si mesma uma prótese com blocos de Lego.
No final de sua existência terrena, a alma se autoavalia, percebendo o que aprendeu e superou e o que ainda falta desenvolver. E então, noutro tempo, noutro projeto, irá recomeçar em nova encarnação.

Para saber mais:
- Americana constrói uma prótese de perna feita de Lego para si mesma. Por Carolina Vilaverde para o blog da Revista Super Interessante, 02/07/13. http://abr.io/IuYL

Reencarnação e comprovação
Desde o século 19 há importantes pesquisas sobre reencarnação entre estudiosos que não são somente espíritas. Há importantes resultados que a confirmam. Em 1910, foi publicada a primeira edição de As vidas sucessivas, de Albert de Rochas, contendo importantes evidências das vidas anteriores. Recentemente, cientistas como Ian Stevenson e Brian Weiss defendem a teoria reencarnacionista, que já é aceita há milênios pelos seguidores do hinduísmo, jainismo, budismo, entre outros, e presente na filosofia de Sócrates e Platão (séc. 5 a. C.).
Muitos argumentos contrários à reencarnação são bem fracos. Cientistas apontam como falha da tese reencarnacionista o fato da população do mundo ter aumentado. Segundo o blog Hypescience (A realidade da reencarnação, postado em 27/04/09), “por volta de 1800 havia apenas 1 bilhão de pessoas no mundo. Agora estima-se que estejamos perto dos 7 bilhões. De onde as novas 6 bilhões de almas surgiram nos últimos 200 anos? Será que nossos ancestrais tinham seis almas adicionais dentro deles?” Esse argumento desconsidera a população desencarnada que também participa da humanidade terrena e, mesmo, as migrações entre planetas.
“Outra questão é: por que há tantas pessoas no mundo que dizem serem as reencarnações de pessoas famosas? Afinal, nos dias de hoje, há várias Cleópatras, Joanas D´Arc e muitos Napoleões e, com certeza, mais de um Jesus.” Que significa? Que há pessoas equivocadas, acreditando que são reencarnações de famosos. Imaginação e crença pessoais não invalidam os casos reais de reencarnação e, muito menos, a própria reencarnação. (Redação)
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*Texto publicado originalmente na Edição 14 da Revista Leitura Espírita, de Julho/Agosto 2013.