terça-feira, 8 de julho de 2014

Divagações entre o Belo e a Verdade V: Epílogo

Afinal, por que é que as explicações sobre como tudo funciona teriam de ser básicas ou simples?

Por Rita Foelker 

A beleza e a verdade existem? Possivelmente. Creio pessoalmente que sim, de algum modo transcendente.

Mas elas são também conceitos que inventamos e nomeamos. E desejamos combiná-las de certa maneira numa concepção de mundo ou teoria, porque nos apetece ao intelecto e ao sentido estético.

Estamos presentes nessa operação, criamos isso. Essa relação. Quer ela esteja no pensamento que gerou o Universo ou somente na nossa cabeça.

Por isso, pouco se pode caminhar nesse assunto sem a consideração de nós mesmos. Temos quatro forças, temos fractais, temos geometria, ciência, filosofia, religião e temos nós próprios. O elemento que falta, a “quinta”, ou “sexta”, ou “n-ésima” força, tão desconhecida quanto nós próprios nos desconhecemos.

Creio que precisamos abrir mão de alguns pressupostos sobre a realidade usados em nossa relação cotidiana com ela. O senso comum, de onde você e eu nos colocamos, ainda vê o Universo predominantemente como o “lá fora”, excluindo o Ser, que é dentro dele uma parte integrante e um agente fundamental.

Tal qual na física clássica, ainda queremos ver tudo como processos mecânicos de causas e efeitos determinados. Não dá mais pra fazer isso, com tudo o que já sabemos depois do surgimento da atômica e da quântica.

A física clássica se baseia numa noção de divisibilidade irrestrita, na separação e individualização dos objetos de estudo, mas há fenômenos que só podem ser estudados globalmente (em relação com tudo o mais). A ideia de uma causa e um efeito observados “de fora” não funciona para as considerações acerca da dinâmica do Universo inteiro.

Nesse contexto, explicações científicas que nos excluam também não podem ir longe, o que certamente complica o trabalho dos cientistas pra tentar equacionar as coisas e enfim comemorar uma Teoria de Tudo.

Nós, os seres ou espíritos, estamos aqui, somos uma variável obrigatória. Somos criaturas que transformam a realidade e o mundo concreto é a prova mais evidente disso, sem falar no emocional, na saúde.

Nossas experiências práticas e emocionais dependem do desenvolvimento de nossa inteligência, sensibilidade e ética, ou da falta dele. Essas diferenças criam variações e até distorções, mas não destroem o Cosmos, o que nos permite pensar que não são defeitos do sistema, porém, variações/distorções previstas e incorporadas à sua programação.

E isso tem uma beleza, apesar de frequentemente nos desagradar os olhos ou o sentido ético.

Afinal, por que é que as explicações sobre como tudo funciona teriam de ser básicas ou simples? E por que elas estariam ao alcance de nossa capacidade intelectual presente? Nós, que também somos seres complexos e também não nos entendemos, como microcosmos. Que, frequentemente, cometemos o mesmo equívoco da separabilidade, pensando em nós como seres separados do todo da vida e da consciência.

Com tudo o que o Universo precisa conter para ser como é, ele é muitíssimo mais intrincado do que linhas de um programa que alguém digita em um notebook, numa madrugada de insônia, e que, executando-o, podemos observar numa tela um desdobramento de formas coloridas. Ele é tudo o que aí está, estamos nele sem poder evitar, e ele entra por todos os canais da sensibilidade, nos agita e nos transforma enquanto flui vertiginosamente. (Chega!)

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Divagações entre o Belo e a Verdade IV: Verdade e Crença

Todo conhecimento humano é parcial

Por Rita Foelker


Então, voltamos ao aspecto da crença. Da crença que gera escolhas. Voltamos ao ponto em que há várias possíveis escolhas e que elas estão relacionadas ao que acreditamos. Voltamos a nós mesmos.

Quais nossas opções para crer? A religião se tornou frequentemente tola e irracional, contrariou a ciência. A ciência também desprezou e até atacou frequentemente as visões religiosas. Mas isso não significa que não se possa pensar racionalmente a vida espiritual, o invisível. Kant propôs um jeito de fazer isso...

Algo a se considerar como ponto de partida é que todo conhecimento humano é parcial. Quanto mais ele aumenta, mais descobrimos a imensidade do que não sabemos.
A ciência tem suas limitações. Sua tentativa de explicar a mente apenas como fruto da atividade cerebral, por exemplo, é boa só até a página 2... no máximo, até a 3. As teses materialistas a respeito são reducionistas, não dão conta do que realmente acontece nos processos mentais e, muito menos, da compreensão acerca do que é a mente e a consciência.

Dentro dessa noção de conhecimentos limitados, podemos crer na ciência, entendendo como ela funciona, e também podemos ter uma compreensão espiritual das coisas, sem que elas se choquem ou contradigam.

O erro do espiritualismo ingênuo e do misticismo é querer enxergar implicações científicas de suas crenças onde elas não existem, o que cria relações falsas entre ciência e espiritualidade.

O erro está nas associações indevidas e apressadas que muitos cientistas como Amit Goswami têm feito. Filmes como Quem Somos Nós (2004) e O Segredo (2006) vêm dando a impressão de falar de ciência quando apenas fornecem especulações e bons efeitos visuais em cima de pesquisas que nada têm a dizer sobre atitudes e melhoria de vida, embora apontem nessa direção.

Assim também, a Geometria Fractal abre certa possibilidade de pensar numa Teoria de Tudo, ou, pelo menos, de imaginá-la, mas não serve para confirmar ou provar nada sobre ela. Ela se aproveita do fato de que os cientistas tendem a preferir teorias mais simples e mais bonitas, são influenciados pelos chamados “valores epistêmicos”, embora o mais bonito nem sempre traduza uma verdade científica, sendo até superado pelo mais estranho e complicado.

Não cabe a uma eventual futura Teoria de Tudo, que é científica, permitir ou proibir que se creia no Nada ou em uma Divindade, na beleza ou na simplicidade. O que ela nos dá é perspectiva e, não, o alvo sonhado. Anyway, a ciência ainda tem muito pouco a falar sobre beleza e sobre o efeito dela sobre nós. (Quase...)

domingo, 6 de julho de 2014

Divagações entre o Belo e a Verdade III: Ciência e Religião

"O Universo não é regido por ideias em que se deseja acreditar, mas por leis imutáveis"



Por Rita Foelker

No parágrafo anterior introduzimos a religião no caldo da fervura e, consequentemente, acrescentamos a ele Deus ou deuses que são os possíveis responsáveis pela inteligibilidade da Natureza e do Universo.

Muitas religiões têm monopolizado a ideia da divindade e o caminho para chegar a Deus. Mas existe um Deus fora da religião. E a razão é óbvia: se Deus existe, ele existe antes e além das religiões, que são concepções humanas e frágeis. Pois embora muitas se declarem reveladas divinamente, ainda é trabalho humano entendê-las, escrevê-las, pregá-las e praticá-las segundo seu entendimento – ou seus interesses.

Muitos filósofos tentaram compreender e pensar Deus. Leibniz e Espinosa foram alguns. Mas isso não cabe na ciência. É filosofia, é metafísica, que muitos cientistas rejeitam. A ciência só trabalha com entidades admitidas como existentes e não questiona sobre sua causa.

Como escreveu Steven Weinberg, “a única forma de agir possível para uma ciência é supor que não existe intervenção divina e ver até onde se pode ir assim”. A ciência então cresce como um conhecimento variado e discordante, embora fundamentado, e não prega (ou ao menos não deveria pregar) uma verdade única. E também não nos dá escolha evidente entre posições científicas distintas acerca de um mesmo objeto de estudo.

O famoso “princípio da incerteza”, por exemplo. Se concordarmos plenamente com Heisenberg, teremos de discordar de Einstein. Se preferirmos Einstein, começaremos e encontrar falhas no pensamento de Heisenberg. Mas ambas as afirmações são científicas e apoiadas em evidências. Isso muito me agrada em ciência... a diversidade de teorias.

A ciência, mesmo divergente (ou graças à divergência), tem nos levado a lugares e desenvolvimentos espetaculares. Crer na ciência é mais que uma questão de fé, mas de estudo da história e observação.

Na ciência em si mesma, contudo, nada pode garantir a ação de Deus ou do acaso. Enquanto alguns cientistas notáveis assumiram a fé e a intuição espiritual, outros aderiram ao ceticismo e ao pragmatismo em suas vidas pessoais...

Isaac Newton, que fundou a Física Clássica, afirmava que “a gravidade explica os movimentos dos planetas, mas não pode explicar quem colocou os planetas em movimento. Deus governa todas as coisas e sabe tudo que é ou que pode ser feito.” Albert Einstein, célebre autor da Teoria da Relatividade, dizia crer no Deus de Espinosa e, sobre a religião, ele declarou: “Não creio no Deus que recompensa o bem e castiga o mal. Meu Deus cria leis que se encarregam disso. Seu Universo não é regido por ideias em que se deseja acreditar, mas por leis imutáveis.”

Quer dizer que para ser crente ou ateu não se pode invocar uma justificativa científica. E que você pode ser um cientista genial e respeitável que considera a inteligibilidade do Universo como manifestação da inteligência divina e Deus como o Incrível Geômetra, tanto quanto o outro cientista genial pode defender a coincidência e o acaso. Isso não faz de ninguém um “panaca místico” e nem um “ateu bobão”. (Mas não para por aí.)

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Divagações entre o Belo e a Verdade II: Geometria Universal

A influência da geometria sobre o pensamento cosmológico é antiga

Por Rita Foelker 



Uma Teoria de Tudo é um sonho antigo na História da Ciência, cuja realização se afasta, quanto mais perto se chega dele. Hoje ela é só uma hipótese e vem se comportando como um horizonte à distância, convidando a atingi-lo, porém escapando pra mais longe a cada passo que se dá.

A dificuldade em atingir essa unificação está em colocar juntas as quatro forças reconhecidas no Universo: a gravidade, o eletromagnetismo, a eletrofraca e a eletroforte. (As duas últimas atuam no interior do átomo.)

Mas imaginar que existe algum jeito de conectar tudo e entender a dinâmica de todos os movimentos cósmicos já estava na mente do jovem Johannes Kepler (1571-1630), com seu "Mysterium Cosmographicum", que levava em conta as distâncias entre os planetas e usava os cinco sólidos de Platão para explicá-las. O próprio Platão (427-347 a.C.) na Antiguidade já havia associado esses poliedros à constituição do mundo, aos cinco elementos conhecidos: terra, água, fogo, ar e éter.

A tese de Kepler era uma nova tentativa de unir a estrutura do Universo às regras da geometria e essa ideia realmente entusiasmou o rapaz, pois lhe parecia um modo de penetrar a mente de Deus. O modelo era defensável, enquanto havia apenas seis planetas conhecidos e os cinco poliedros regulares se colocavam entre eles. Perdeu o sentido, porém, a partir da descoberta de Saturno e Netuno.

A influência da geometria sobre o pensamento cosmológico também fica nítida noutro momento da pesquisa de Kepler, na dificuldade em abandonar a noção de órbitas planetárias circulares (o círculo era considerado uma forma perfeita), para admitir as órbitas elípticas que conhecemos hoje.

A geometria fractal tornou possível sonhar novamente com essa beleza unificada do Universo.

Fractais são tipos de estruturas geométricas ou físicas divididas em partes semelhantes à original, mas nunca totalmente idênticas, cuja semelhança se reproduz em diferentes níveis de escala.

Visualmente, o objeto fractal apresenta um número indeterminado de formas reduzidas, semelhantes a ele próprio.

Em termos de Teoria de Tudo, como um fractal pode ser gerado a partir de uma função iterativa (linguagem de programação) que produz repetições sucessivas e alterações em tamanhos variados, isso faz pensar numa lei que cria o imensamente grande, como as galáxias, e vai se reproduzindo até o infinitamente pequeno, como o átomo etc.

Hoje já temos um pequeno ramo de pesquisa cosmológica que se chama Cosmologia Fractal, ainda tateando, intuindo uma solução, mas sem chegar a ela.

Mas a pergunta persiste: o que faremos da desarmonia que nos encontra os sentidos?

Talvez a solução seja humanamente inatingível. E ainda estejamos, como Humanidade, na idade de criar problemas e, não, de resolvê-los.

Isso nos leva à religião, o repositório das respostas sobre o que desejaríamos saber, mas que não vamos entender, se for muito complicado. A religião traz respostas que são ora ingênuas, ora incompletas, ora absurdas. Por isso ela faz gente inteligente duvidar de Deus e acaba sendo um tipo de fuga, uma ideia cheia de falhas que aceitamos como verdadeira para nos sentirmos mais seguros e confortados em meio à perplexidade e à luta cotidiana. (Não terminei com isso ainda.)

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Divagações entre o Belo e a Verdade I



A beleza tem um poder que quase impede de pedir explicações

Por Rita Foelker


Sempre achei fractais fascinantes. Gosto de imaginar que, se realmente chegássemos a uma teoria de tudo e a aplicássemos a um modelo, obteríamos algum tipo de beleza desse tipo. Só que superior. Chamo isso de “mandelbrotear”, numa referência a Benoit Mandelbrot, o polonês que descreveu uma geometria perfeita das irregularidades da Natureza e da economia.

A beleza tem um poder que quase impede de pedir explicações. É até difícil pensar que Kant era um cara tão sistemático que se esforçou enormemente pra teorizar sobre ela sem conseguir clarear o assunto. Também, clarear não era o seu maior talento...

Mas ele nos deixou algo pra ajudar a pensar sobre: as formas da intuição e as categorias. Nosso modo de enxergar, entender e interpretar as coisas.

E elas revelam outra perspectiva, elas nos expõem cotidianamente aos efeitos sensíveis da ganância, da violência, da indiferença pelo sofrimento. E tudo isso é inquestionavelmente feio. Deprimente. Impactante. Doloroso.

É quando eu me pego nessa inconsistência (aparente) do sistema. Se uma teoria de tudo é tão bela, como ela produziria anomalias tão gritantes? Kant diria que a resposta está na liberdade, a causa incondicionada.

Ou também poderíamos dar exemplos de todas as teorias que, no limite, desembocam em paradoxos.

Em Filosofia, paradoxo é uma afirmação que parece contraditória dentro de um sistema e que, no entanto, faz sentido. Em Lógica, a coisa é mais rigorosa: uma afirmação ilógica ou contraditória que é deduzida dentro de um sistema lógico.

Recorrer aos paradoxos seria uma saída mas, certamente, não é uma solução...